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O outro Brasil pede passagem

 

A chegada das opções de voto em Lula a 44%, à entrada de agosto, torna nítida uma maioria de votos que dificilmente se abalará pela televisão, ou por novos escândalos, ou pelo disparo ainda de algum azarão. Heloísa Helena encarregou-se dessa surpresa ao dar voz à radicalidade política, venha do utopismo desabrido, do rigor da detergência partidária, ou do protesto que saiu do voto nulo. É o Lula que ganhará contra o desgosto da classe média e o nariz arrebitado do país rico que não vão agora repetir o seu deslate em votar no operário de todas ditas decepções.


 A opção fiel e enraizada do povo de Lula é literalmente a de um novo Brasil que pede passagem. Mais que o voto proletário, é o da população saída da marginalidade social e que encontrou de vez a quebra de seu imobilismo saído da desesperança de sempre. O grosso desses votos demarca este fenômeno histórico que a democracia vai dever ao PT, independentemente de suas descaracterizações dos últimos meses, ou do escândalo que acometeu o partido diferente.



Nesse esforço de trinta anos, a legenda, como única organização desta marca em todos os países subdesenvolvidos, levou os desmunidos à aposta ainda do voto e à conquista possível de um poder pelas urnas.


Nesse particular, o Brasil trilhou o caminho oposto ao da violência em que se cristalizou o desespero da marginalidade, no Peru ou na Colômbia, levando à ruptura sem volta do Sendero Luminoso ou das Farcs. No Lula que se reeleja é a maturidade dessa escolha política que traz a dominância do voto do Brasil de fora por sobre o do próprio proletariado afeito às lutas sindicais e à efetiva organização da classe trabalhadora.


 


Caminho histórico


 


No peso desses dois contingentes, o que se define é o teor de opção que tem o voto de Lula, marcados pelo denominador último de um caminho histórico. O de saber o que não querem esses grupos tanto quanto do caminho machucado da mudança.. É o que Santiago Dantas reconhecia quando, abraçando a política de Vargas em 50, repetia que entre nós o povo como povo é melhor que a elite como elite.


O presidente que vai ao segundo mandato o faz fora de um eleitorado equívoco ou incerto das classes médias ou abastadas. Ganha o "povo de Lula", formado do Brasil da classe trabalhadora bem como da marginalidade coletiva do país.



É este ultimo grupo que se beneficiou nestes anos de um acesso a condições de bem-estar, possibilitadas pelo bolsa-família, no acesso à educação, à comida e à saúde. Esses 33% do Brasil de base, nesta mesma medida, reforçaram o seu apoio independentemente da melhoria maciça de emprego. E é uma nova consciência que desponta de quem está tocado pelo acesso à melhoria, fora das expectativas tradicionais.

Lula ganha em primeiro turno sem herdeiros, a depender, por inteiro, do novo desempenho para o futuro a prazo longo da opção pelo outro Brasil. No contexto que ora começa, avulta o peso em bloco do Nordeste, a contar, inclusive, já com a ação de outros partidos, como o PMDB, desatado das convenções das velhas legendas que hoje se coligaram na oposição a Lula.



Aí está empurrado, sem volta, o PSDB para o ninho do PFL. E não espantará que no correr da carruagem possamos deparar legendas que assumam e confessem a rubrica conservadora. E já sem o velho apoio tradicional da força política dos coronéis, derrubados pela massa de votos petistas nas suas fazendas desde os últimos pleitos.

Adianta-se a consciência de mudança exatamente quando, pelo desgosto da reeleição de Lula pelo país-bem, desmascara-se também a ideologia do moralismo, sempre preocupada com a indignação cutânea à corrupção de sempre para ficar no mesmo lugar. O voto no petista agora não é mais o do "Lulinha, paz e amor", mas da caminhada sofrida do país que optou pelo "sapo barbudo".


 


Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 11/08/2006

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), 11/08/2006