A permanência do capital político de Lula independe dos anticlimaxes, da falta de resultados concretos, e até mesmo de novas idéias-força para manter a expectativa eleitoral. A convicção se arraigou nesta quase que inexpugnabilidade do apoio ao presidente, já claramente vertido para toda probabilidade de ganho nas próximas eleições. O vai-e-vem da nova e possível comissão de apuro das fraudes nos Correios, na verdade, não abala esta convicção de fundo.
Sentiu-o, aliás, a oposição a ponto de que os candidatos mais prováveis já recuaram para seus Estados ou feudos eleitorais, entendendo que o verdadeiro pleito é em 2010. Ao mesmo tempo, entretanto, o PT já está vivendo o clima de crítica e de reexame de seus propósitos e, sobretudo, já os assegurar como autocrítica. O importante para a renovação da legenda é de que seus críticos permaneçam nos quadros e os façam sem quebra do anseio coletivo de vez premiado nas urnas de 2002.
Deve-se a mais contundente e franca dessas análises a Plínio de Arruda Sampaio, ex-candidato ao governo da capital paulista, e talvez a presença desassombrada que mantém a unanimidade indiscutível nos quadros da legenda. A premissa é de ficar dentro do partido, num claro contraste com as rupturas de primeira hora, introduzindo a clássica doença da puberdade de partidos de esquerda, que é a de logo reproduzir em novas legendas puristas os slogans do mesmo bordão de radicalidade que criou a primeira secessão. Foram tão poucos, aliás, os primeiros dissidentes a terminar na constituição do Psol que inclusive não se reforçou entre os descontentes já da chegada de Lula ao meio do mandato.
Plínio é candidato à Presidência disputando com Genoíno, enquanto não desanima do imperativo de transformação social gravado na razão de ser do PT. E faz os reparos-chave para que um futuro diferente seja de um PT que reencontre em decisões realistas a volta do trilho. Claro, não há nada a fazer sem a estabilização econômico-financeira. Mas haveria que tirar partido das nossas condições quase de novo rico, frente à finança internacional para já sair-se da dependência do Banco Mundial. E, aliás, é o que já começa com a denúncia de todo o automatismo dos novos contratos com a entidade símbolo da dita dependência externa do Brasil, urbi et orbi. Não foi outra coisa que fez o presidente junto a Palocci nos últimos dias de março.
O divisor de águas está nos passos adiante logo como, por exemplo, o do desatavio democrático da reforma agrária emperrada por uma eterna indefinição do que seja o conceito de propriedade produtiva para efeito das desapropriações. O que é, de fato, enterro de máquina ou já visão ideológica onde entra em causa os limites do concordismo com que as alianças para garantir dois mandatos primaram sobre qualquer esporear das mudanças para que o partido faça jus ao que veio. Nem lhe falta nesse momento mais trégua para faze-lo, tanto Severino e a Mesa da Câmara podem comprovar, de vez, o que de pior se possa esperar do Legislativo, sob pena, inclusive, de vê-lo como inimigo do povo para o próximo jogo das polaridades, preferências e abates de nosso apoio político.
As engrenagens do banho-maria, por outro lado, embotam pelo peso morto do bem-bom do status quo dos partidos aliados, uma tarefa efetiva de mobilização popular para o segundo tempo de Lula. Os anúncios do que fará o Planalto continuam tópicos, senão triviais. Destaca-se a grande idéia da transposição das águas do São Francisco, mas que, de tanta retranca no lançamento, perdeu, mesmo anunciado agora, um ímpeto galvanizador que reproduzisse nas suas proporções a do projeto da construção de Brasília por Juscelino.
De toda forma, a agilíssima cultura política do debate transformando o seu corpo-a-corpo no da própria realidade, poderá talvez levar a mesma transação à reforma universitária anunciada, ou à política que se aguarda venha, de vez, nas somas algébricas em que os situacionismos de sempre pode tornar irreconhecível a ambiciosa proposta de partida. O êxito do governo pode contar-se pelas ladainhas das sete vidas, em que o país de fundo continua a jiboiar o sucesso da chegada e da digestão da espera de mais de um quarto de século para chegar ao Planalto.
Lula sabe manejar, sem rivais, esse espaço de espera que se nutre dos provérbios, histórias, chistes, ''a propósitos'', em que criou um ''à vontade'' nacional com o presidente, onde o desejo que é todo dia testado pela sua fruição continuada frente aos companheiros. É com os triunfos que só ele conhece, que voltará às urnas. Mas aí para fazê-las plebiscito do a que se compromete, e de como inverte o poder dos aliados, deixa-os contra a parede no assumir a co-responsabilidade com o a que veio. Madurou-o no pacto de Palocci e Meirelles, e pode expor, então, o campo majoritário à agenda de Plínio. Mas a via não é a do purismo radical tardio, como não se acinzenta no lusco-fusco dos presidencialismos de coalizão. O caminho passa pelo confronto no Congresso, que se descartará dos Severinos, a bem da sobrevivência do Legislativo na opinião pública. E as polarizações objetivas impedirão Lula de passar à história pelo que não fez. Ou a só responder à permanência do fascínio letárgico, contumaz.
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 01/06/2005