Tínhamos certeza de que essa classificação de ‘país do futuro’ era uma espécie de previsão sagrada
A gente sente sempre um certo orgulho pessoal quando alguém de valor reconhecido, alguém que pertence a um mundo ao qual você de algum modo deseja estar identificado, quando esse alguém diz alguma coisa que você aprova e com a qual se entusiasma. Desde que, em abril de 2019, fui aceito e recebido como membro da ABL (Academia Brasileira de Letras), me sinto impregnado dessa síndrome, um jeito diferente de levar em frente certas emoções, através da cadeira número 7, cujo patrono é o grande Castro Alves.
Essa semana experimentei esse orgulho com a entrevista de José Murilo de Carvalho no Segundo Caderno do GLOBO, em que nosso grande historiador, membro da ABL, declara que o Brasil está longe de ser “o país do futuro”, como sempre anunciamos.
Desde menino aprendi que essa pomposa previsão, feita por intelectuais brasileiros de todas as cores, era inevitável, sendo a única classificação do país que servia a todos. Uma verdade indiscutível a alimentar todas as teorias sobre o futuro do país, o Brasil seria o amanhã de todas as boas e novas ideias relativas ao futuro da humanidade. Um país em que todos valiam a mesma coisa no mercado mundial do consumo e do caráter. Um país que teria alcançado seu estado de plena civilização, livre para sempre da barbárie que costumava nos assolar.
Tínhamos certeza de que essa classificação de “país do futuro” era uma espécie de previsão sagrada, alguma coisa que não podia mais não acontecer. Estávamos somente curiosos para saber onde buscaríamos o passaporte que nos daria esse poder de mudar o mundo. Uma coisa era certa em nosso tão glorioso empreendimento — precisávamos saber onde buscar, de que hábito cultural arrancar os valores que éramos capazes de defender e plantar em nosso solo sagrado da criação. Como nos realizarmos enquanto produtores dessa cultura.
Com todos os equívocos da produção cultural a que estávamos expostos, já sabíamos que não podíamos contar com seus princípios. O Estado brasileiro nunca nos ajudaria; não só porque não é mais essa a tradição em todo o mundo sobretudo nos países semelhantes ao nosso, como também porque já era notória a necessidade de uma separação quase radical na matéria entre o público e o privado.
O mesmo governo que anunciava, no mês de julho deste ano, um superávit de R$ 19 bilhões em suas contas dizia não ter como pagar os pobres R$ 3,6 bilhões que confessava estar devendo à cultura, através da Lei Paulo Gustavo. Ou não sabia aonde ir buscar a mixaria do que a Lei Aldir Blanc o mandara, há algum tempo, pagar a aparatos audiovisuais, enquanto a famigerada PEC Kamikaze encontrava direitinho recursos para subsídios aos produtores de combustíveis degradantes.
Os produtores de cultura sempre tiveram dificuldade em lidar com o poder político e seus objetivos, sempre bem distantes dos nossos. Mas agora, neste governo, essa dificuldade virava uma guerra declarada: o cinema é tratado como inimigo do país. Ou de Jair Bolsonaro. Pelo presidente, não teríamos nunca uma indústria cinematográfica no país.
Mesmo sendo o Brasil hoje o sétimo país de maior crescimento econômico no mundo, não merecemos que o Estado coopere com a consolidação de nossa pobre indústria de cinema. Como na França, na Alemanha e na Itália, em vários países dos blocos asiático e africano, como nos EUA, a pátria do liberalismo. Em vez disso, temos que nos aliar ao que há de pior, economias que vão desaparecer porque a população não aguenta mais tanto planeta destruído. Onde nem as leis relativas ao entretenimento são respeitadas, imagine só aquelas que desejam apenas fazer funcionar um regime regular de produção!