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O Estado de Direito a perigo

 

A entrada no século XXI vem acumulando sinais de uma regressão do Estado de Direito, e, às vezes, até, a partir dos estados mais avançados, no apoio à ampla e restrita cidadania. O confronto, pela Grã-Bretanha, do asilo diplomático e garantias oferecidas pelo Equador a Julian Assange agride a vigência indiscutível do instituto em nossos dias. Impressiona ainda mais, a arguição britânica de que o abrigo de Assange viola a finalidade diplomática no prédio onde se encontra a embaixada. A discussão da matéria, já, pela OEA, que ficou a favor do Equador, com a exceção dos EUA, relembra, de logo, a sua posição frente à exclusão do Paraguai pela UNASUL, face ao golpe contra o presidente Lugo, que invocou a cobertura da Constituição. Mas a ação afronta o Estado de Direito contemporâneo, enquanto não reconhece a garantia mínima da independência e autonomia das funções do poder. A Carta paraguaia, no seu art. 225, numa obsolescência espantosa, deixa o Executivo à mercê do Legislativo, na evolução de pretendidas condutas do presidente contra o bem público.

Doutra parte, ainda, as declarações, de há poucos meses, do governo americano quanto à era Bush reconhecem a inexistência de tentativas de guerra química ou bacteriológica, que teriam justificado a invasão do Iraque e a execução de Saddam Hussein. E é o que levanta a interrogação de se os próprios EUA continuarão a negar a competência do Tribunal de Haia para julgar os crimes contra a humanidade. O acirramento, também, dos fundamentalismos, e tal, a partir dos republicanos, enfrenta a radicalização islâmica, a se perguntar, inclusive, se a principal conquista do Estado de Direito, ou seja, o reconhecimento universal dos direitos humanos, seria uma "ideologia" ocidental.

Pergunta-se-ia, também, de como, na generalização mais inquietante dos novos freios à era da cidadania, repontam nas novas restrições europeias às migrações, especialmente as àrabes e africanas. Reptam na garantia do direito de ir e vir, voltando às limitações da estrita soberania novecentista. E é, aliás, do novo governo socialista em França que se retoma a política de remoção dos ciganos do seu território, ainda que dentro do fomento à negociação, e na concordância induzida do último povo nômade de nossos dias. O Brasil, aliás, nessa dimensão, marca o reconhecimento da imigração como direito à vida, no caso do Haiti, e da abertura de nossas fronteiras, independentemente das burocracias regulatórias, para a acolhida à imigração de fome e das catástrofes naturais. E, em novo reconhecimento internacional, vemos a linha de ponta, com o mundo escandinavo, do firme assento do século da liberdade cidadã.

Jornal do Commercio (RJ), 24/8/2012