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O epitáfio da 'Primavera Árabe'

 

Os desencontros da "Primavera Árabe" só evidenciam a liquidação das últimas crenças de que se consolidariam, no século emergente, os valores vistos como cruciais da dita "civilização ocidental". O que se constata, nesse entrechoque, é até onde a própria democracia confrontou, por exemplo, o secularismo, visto, após toda a luta renascentista, como a da conquista dos sistemas políticos desligados do império das crenças religiosas.
 
Após a queda dos governos ditatoriais da Tunísia e do Egito, assentava-se a certeza de que os novos regimes assegurariam as coexistências das fés, dentro da regra do respeito às minorias, em que se assentava a modernidade. Mas é a partir do protesto dos coptas e dos cristãos do Egito, frente à nova segregação temida, que passa a repontar o perigo crescente do exclusivismo religioso. Nos vaivéns do governo do Cairo, entremostra-se, com a habilidade do Presidente Mursi, o desfecho dessa maciça maioria política da Irmandade Muçulmana, que levará o Egito a novo Estado islâmico. No particular, aliás, contrastaria, no sudeste asiático, com a Malásia, a prescrever, pela sua própria Constituição, que todos os seus habitantes sejam muçulmanos. Mas o regime, no seu atual governo, não impõe limitações cívicas à população que mude de fé. Conta, sim, com a força do status quo para conservar essas dominações da crença, de par com o crescente apuro político de Kuala Lumpur, assumido como o da moderação democrática.

Perdura, após a "Primavera Árabe", no norte da África e Oriente Médio, a interrogação sobre os caminhos da Líbia, após a eliminação de Kadafi. Indiscutível que é o assento religioso do país, sofre na sua organização emergente, pela debilidade dos fundamentos nacionais, após a trintena em que, sob o comando do ditador, viveu uma população, até então, ainda maciçamente nômade, espalhada nas fronteiras do deserto.

Sem dúvida, os confrontos latentes, após os sucessos democráticos no Norte Africano, agudizaram-se na defesa do secularismo, frente aos novos estados religiosos. É o caso do mais europeu desses países, qual a Tunísia, hoje na luta contra os exclusivismos da fé pelas suas oposições, e com outra força que a do vizinho Egito. A conservação do status quo, no resto da África mediterrânea, na Argélia e no Marrocos, evitou o "presente de grego" democrático, mas a sombra da recuperação religiosa espraia-se pela Turquia, no mesmo Mare Nostrum. É significativo que tanto hoje perdeu-se o sonho da sua entrada formal na Europa, quanto o regime parece se afastar do secularismo estrito, que dominou o regime de Atatürk. E não se esquiva o governo de admitir, contra o mais arraigado dos seus princípios fundadores, a eventualidade de um partido religioso, crescido sobre o dito "Partido democrático", numa guinada histórica em que  força do status quo para conservar essas dominações da crença, a "Primavera Islâmica" sirva de posfácio à "Primavera Árabe".

Jornal do Commercio(RJ), 18/1/2013