A recepção a Ahmadinejad em Brasília ou nosso apoio defunto a Zelaya são riscos da nova e larga mirada internacional que o governo Lula deixará como legado do Brasil potência. Não se precisa insistir sobre o contraste hoje com a América Latina, de cuja moldura saímos, de vez, no peso da população, do PNB e, sobretudo, de um modelo de desenvolvimento sustentado, com nítida desconcentração da riqueza.
Nesse destaque das velhas fatalidades geográficas, o Brasil passa a nação dos BRICS, que se livraram da velha canga de um mundo dividido entre centros e periferias neste século XXI. Nosso dinamismo vai à comparação com a China e a Índia. Centramo-nos no mercado interno, na crescente mobilidade coletiva em que o consumo das classes menos favorecidas respondeu tão profundamente pelo escape aos vaticínios e apocalipses do que seria a crise de 2008.
Os BRICS estão longe de se constituir numa super unidade de decisão, e de condicionamento no mercado internacional. Mormente pelo muro, ainda, entre os governos de Nova Deli e Pequim, este acusado das limitações de suas liberdades políticas, mas a verberar o Estado hindu, na contradição entre manter o figurino democrático, de par com a conservação implacável do gigantesco regime dos párias no seu seio.
Neste universo, o Brasil ganha nova desenvoltura, de possível árbitro de impasses
Não há também que subestimar o que hoje representa como capital internacional o dinheiro brasileiro, no que possa abastecer o nosso BNDES às reservas do Banco Mundial
contemporâneos em que esbarram outras mediações, como a americana ou a européia, especialmente no Oriente Médio. A vinda de Abbas ao Brasil está permitindo a Lula, quiçá, o desemperro do conflito palestino na visão prospectiva de um mundo que não queira voltar às hegemonias ocidentais, entre disfarçadas e sutilíssimas.
Não há também que subestimar o que hoje representa como capital internacional o dinheiro brasileiro, no que possa abastecer o nosso BNDES às reservas do Banco Mundial, mas é sobretudo o horizonte africano que se abre, diante da avareza crescente dos países europeus em manter as doações mínimas contra a pobreza da região, no prjmeiro impulso, de há décadas, de uma piedade ou consciência humanitária.
É a Lula que, exatamente, nos clássicos noivados pós-eleitorais, se dirigem Mojica, no Uruguai, ou Porfírio, em Tegucigalpa. O Presidente Obama só faz repetir a impaciência deste nosso tempo externo, no misto da prosperidade econômica com a democracia, em confronto tão claro com as equívocas repúblicas bolivarianas e tal vocação confessa para os presidencialismos perpétuos. Foi ainda a determinação brasileira, diante das hesitações de Copenhagen, que ajudou no reforço à última hora, no compromisso com metas de combate às emissões de CO2, o passo adiante sobre Kyoto. Mais que o fato consumado da derrubada, no mundo pós-Bush, das velhas hegemonias, o que importa para nós é preencher estes espaços inéditos de negociação. E só em Brasília, de todo o globo, nestas semanas, que se sucederam Shimon Peres, Abbas e Ahmadinejad. O caminho está aí, sem transigência de escala.
Jornal do Commercio (RJ), 4/12/2009