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A nova guerra de religiões

 

A execução de um soldado inglês nas ruas de Londres em maio passado abre um novo capítulo do terrorismo contemporâneo.

O militar foi abatido num corpo a corpo sacrificial, onde o assassino assumia toda, estrita e exclusiva responsabilidade. Tratou-se, em todo o primitivismo do abate, de um verdadeiro rito executório.

Nos deparamos com a contestação cultural ao extremo do individualismo de quem se imola no sacrifício da vítima, escolhida no anonimato, como representante da cultura dominadora envolvente.

O fenômeno pode agora acontecer a cada esquina e a qualquer hora e não precisa mais do que um machado ou um punhal ensanguentado, à busca do flagrante público.

O único freio pode ser o silenciamento do recado, na recusa midiática da hora. Mas é difícil escapar ao sentido do gesto pela identificação subsequente do criminoso e publicidade do julgamento.

O estupor geral começa com uma resistência instintiva das autoridades a imaginar essa disseminação da violência. Até hoje, a violência praticada pelo terrorismo coletivo pôde ser reprimida mais facilmente do que as inovações da prática individual. A própria opinião pública descartava a viabilidade dos justiceiros individuais no seu ressentimento cultural.

A luta contra a metástase do terrorismo não vai, simplesmente, a uma nova e ampliada fiscalização das fronteiras, nem à presunção de que o novo jihadista venha de fora do país. O executor do soldado tinha já a nacionalidade inglesa, como pode ser o caso de muitos dos seus possíveis seguidores.

Na atual guerra de religiões, a nacionalidade não é obstáculo a buscas identitárias mais fundas. Nem se configura como no caso de recém-imigrantes, como o dos assassinos tchetchenos, possuídos de uma tomada de consciência tardia, depois da torna à mãe pátria original e do ímpeto renascido do embate.

No caso de Londres, deparamos um imperativo de matar e morrer, visto como um martírio do executor. A bomba de Boston, dos irmãos Tsarnaev, torna-se já obsoleta, diante do machado de Woolwich e de um conflito incontrolável, nessa nova jihad, sem milícias nem estrépitos, ao alcance de quem se assuma como um autossacrificador em nome de sua crença.

Percebeu já Obama, do outro lado do Atlântico, o perigo inédito desse novo "vis-à-vis" letal, aprofundando a guerra de religiões.

Deparamos o extremo da disseminação do confronto, deixando ao nível das patologias a expressão suicida de um gesto da pretendida autenticidade cultural. Jamais esperaram a modernidade e a dita paz do novo milênio esse terror ao alcance de cada um.

Folha de S. Paulo, 13/6/2013