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Newton Sucupira e a universidade profunda

 

Com o falecimento de Newton Sucupira perdemos o remanescente dos educadores brasileiros responsáveis pela efetiva criação de uma política pública nesta área crítica de nosso desenvolvimento. Superando o velho idealismo das nossas elites passávamos, Anísio Teixeira à frente, à realidade da nossa mudança.


  Newton Sucupira é talvez, em todo este quadro, ao lado de Lourenço Filho, ou de Jaime Abreu, quem se entregou, por inteiro, ao talhe do regime de ensino superior brasileiro, a partir da implantação e desenvolvimento da pós-graduação. Seu papel foi decisivo já, em 65, em pareceres seminais, que levaram finalmente à reforma universitária de 68. Devemos à sua ação a garantia da indissociação de ensino, pesquisa e extensão e o imperativo da plena capacidade docente do professorado.


À frente do Ensino Superior do Ministério, e no Conselho Federal de Educação, Sucupira lançou as bases para a expansão de um sistema de ensino que passou, de apenas 90 mil estudantes em 60, aos 3 milhões já da última virada do século. Devemos-lhe a criação dos vestibulares unificados, padronizando condições de acesso da nova e imperiosa demanda ao terceiro grau. Pressentiu a explosão da procura e fez de uma política realista e controlada deste afluxo o padrão em que o setor primário ganharia a dominância irrecorrível nas nossas últimas décadas.


A dita democratização da chegada ao terceiro grau ficou em mãos da área particular, mas o regime de controle, buscando a excelência, não abriu mão da continuada inovação do saber no campus, para se merecer a plenitude da autonomia universitária. As décadas subseqüentes marcariam a dificuldade da meta e da experiência da pesquisa na área privada, fora de um específico amparo público. O padrão de excelência continuava, de toda forma, o do parecer Sucupira de 65, a marcar a barreira contra a massificação do terceiro grau.


O scholar intransigente e rigoroso que viveu a experiência da universidade européia e americana, nunca se rendeu aos facilitários da hora e às retóricas de sua dita democratização. A determinação vinha das elites da formação brasileira, qual a Faculdade de Direito de Recife, como filho-família das gerações do nacionalismo, pós-independência, dos Ajuricabas, dos Tapajós e dos Sucupiras, vivendo, na própria adoção dos seus patromínicos, o compromisso fundador.


Ao contrário de Anísio, mas no mesmo humanismo da mudança, a visão filosófica de Newton ia ao confessionalismo religioso, no melhor aggiornamento neotomista a que traria, ao mesmo tempo, a inquirição de um Blondel, ou de um Alceu. É deste avanço intrínseco da cultura brasileira que Sucupira nos dá conta, nessas últimas décadas, em que só aperfeiçoou o seu rigor crítico, num dos melhores repertórios contra o neo-ufanismo, no apelo à educação como a mola redentora e intransitiva da política de mudança.


  Não há muitos precedentes de quem, passando pelas instâncias das políticas públicas voltasse à reflexão, debruçado, sem concessões, sobre o “vir a ser” brasileiro, no exercício da nossa mais difícil magistratura da cabeça: o da contundência da lucidez, fora de qualquer cumplicidade burocrática ou do poder, ou da ambição de regência política. Difícil, capaz de fazer da implacabilidade o último cuidado ou carinho com os seus, Sucupira tinha a generosidade da grandeza de par com a elegância da ironia, no repúdio as condescendências frouxas da nossa subcultura para passar à legítima vida do espírito, sem volta, nem concessões.


Jornal do Commercio (RJ) 31/8/2007