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Ministério e coalizão sem volta

 

A oposição continua a atacar o governo pela demora da composição do Ministério e está a perder a leitura da proposta de Lula - e a sagacidade de suas entrelinhas. Vamos creditá-la à intuição do presidente, aberta à prática pura do que lhe cobra a direção do país. Despegou-se da marca partidária, ou de todos os pruridos de ortodoxia, no que é, hoje, a busca da mudança nacional.


Responde à expectativa de fundo, de uma popularidade, hoje, maior que o que confirmou no Planalto o ano passado. Apontara ao que se entende, nominalmente, por um governo de esquerda, mas a fala da oposição mostra que Lula está no caminho certo. Sua oposição diz o quanto saímos, de vez, dos golpismos dos donos do poder e das eternas comissões de inquérito, e seu álibi moralista.


O PAC antecedeu, de muito, o anúncio do Ministério, e configurou de maneira inédita metas, orçamentos e, sobretudo, suas condições de cobrança, até o fim do mandato. A tarefa de mudança vai às grandes agências públicas descentralizadas, e a uma nova articulação entre a União e os Estados, de que o país se dá conta no terreno de obras e melhorias, saídas do preciosismo do planejamento e, sobretudo, das barreiras do Legislativo.


Neste mesmo lance, descaracterizou-se a importância dos ministérios, transformados em agentes do PAC, na cobrança última da Casa Civil. Fala do fundo da alma o presidente, quando diz que, pela própria inércia do sucesso, não precisaria tocar em nenhum dos seus titulares, muitos dos quais, em verdade, atuam por controle remoto e quase anônimos com o Planalto. E o presidente, sentimental e grato, tem, aliás, muito mais dificuldade em despedi-los do que em encontrar substitutos.


As mudanças estão, sim, e, já, ligadas a nova dimensão do pacto político, para além do êxito estrito do Executivo. E Lula enfrenta o ineditismo de um reforço de liderança que transcendeu o seu partido e, ao mesmo tempo, se negou, de princípio, em cair nos populismos do carisma jagunço e obsoleto dos imediatismos.


As coalizões trabalhadas ao bilro exasperante não são necessárias para governar, mas para definir, desde já, uma identidade sucessória. Neste jogo prospectivo tudo é possível, e não há heranças preventivas do PT, nem certezas diante de um PMDB que disputa hoje um adesismo sábio e antecipado, à dimensão nacional do que venha a ser, a longo prazo, o Brasil da mudança, amarrado a opção para ficar, hoje, no Planalto. A coalizão hoje é maior que a força das siglas da reeleição. Desarticulou o tabuleiro estadual, que prenunciava uma volta ao Executivo do tucanato pelos herdeiros presuntivos em São Paulo ou Minas.


O que vemos é a disputa pelo apoio do presidente às governanças estaduais, tanto o PAC mudou o sentido de favores e obras das alianças clientelísticas tradicionais do Brasil, das regiões e dos municípios. O governo federal é hoje comprador de poder, e não vendedor aflito de vantagens. E a expansão do programa do Ministério das Cidades invade os municípios e rearruma as últimas baronias políticas.


Demorou o sistema, atrasou-se Lula aos olhos do nosso jogo antigo do poder. A nova articulação do Planalto amarrou-se a uma prospectiva. Não sobreviveram, nela, lideranças partidárias tradicionais, mas parceira de um jogo político que não olha mais para trás. O sucesso do Executivo não depende do Parlamento. Fique este com os engodos da reforma política no seu bizantinismo tropical de um Congresso que já disse ao que veio, nas bancadas que elegeu. O êxito de Lula independe do Parlamento. E este, sim, é prisioneiro de uma coalizão que não tem volta.


Jornal do Commercio (RJ) 30/3/2007