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Mais igualdade e dignidade

 

O cientista político Joseph S. Nye Jr, professor de Harvard que trabalhou nos governos Carter e Clinton, nas secretarias de Estado e de Defesa, abordou pela primeira vez o conceito de “soft power” para falar sobre o novo papel dos Estados Unidos com o fim da Guerra Fria e a mudança que já detectava no mundo, onde o poder, além de econômico e militar, teria uma terceira dimensão, a habilidade de conseguir o que se quer através da atração em vez da coerção.

Esse “poder suave”, cultivado nas relações com aliados, na assistência econômica e em intercâmbios culturais, resultaria em uma opinião pública mais favorável e maior credibilidade externa dos Estados Unidos. Há um consenso de que o poder dos Estados Unidos hoje depende muito mais de seu "soft power" do que de seu poderio militar, que causa estragos à imagem do país nos últimos anos.

Trazendo o conceito de “soft power” para o plano nacional, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso analisou em palestra na Academia Brasileira de Letras a importância dos valores culturais e sociais na definição de nosso futuro nacional.

Eleito para a ABL recentemente, Fernando Henrique abriu um ciclo de debates sobre o futuro do Brasil que terá, sempre às terças-feiras, continuação com análises sobre o nosso futuro social, internacional e cultural. Ele vê como as áreas mais definidoras do futuro a inovação tecnológica, a educação e a cultura, mas, sobretudo, a reconstrução da nossa sociedade na direção de uma convivência mais harmoniosa, que tem a ver com valores como a dignidade da pessoa humana e a equidade.

“Quando se pensa em valorizar os aspectos culturais é preciso reconhecer que nesse mundo que está em ebulição há valores que precisam ser reforçados”, e para o ex-presidente “a questão fundamental tem a ver com a Justiça, mais do que simplesmente o desenvolvimento da economia”.

Fernando Henrique criticou a visão estritamente econômica que prevalece entre nós, “uma ótica do passado”, que ainda se norteia pelo crescimento do PIB, quando há outros fatores importantes para crescermos como sociedade: “Temos conseguido crescer socialmente sem ter tido um crescimento do PIB espetacular. Não vemos que o Brasil cresceu em outra medida, em outros aspectos quer são muito importantes, inclusive do “soft power”. Crescemos como democracia, como liberdade”.

Apesar desses avanços, em outros aspectos não crescemos o necessário para que façamos parte do chamado Primeiro Mundo, ponderou Fernando Henrique: “Não crescemos naquilo que é básico, a noção de igualdade, pelo menos perante a lei, igualdade formal ainda que seja. Falta muito no sentido da equidade”.

Para ele, “talvez o que motive mais as pessoas venha a ser o sentimento da decência e da dignidade”, o que na sua opinião levou às manifestações de junho: “O que aconteceu nas ruas ultimamente é o exemplo de que o país está integrado ao mundo, que as pessoas têm acesso aos novos meios de comunicação e que aqui também está nascendo um sentimento novo que é o de que eu sou uma pessoa que está conectada e quero opinar”.

Não se viu ainda avanço suficiente nas formas de organização de poder para viabilizar as novas demandas, a capacidade de as pessoas se conectarem e se fazerem ouvir, ressaltou Fernando Henrique, para quem “estamos ainda engatinhando” nesse campo.

“Mas seguramente esse novo mundo, no qual considero que o Brasil tem um futuro, vai depender da criatividade nossa e de outros para abrir as instituições de modo tal que o processo deliberativo seja mais amplo e o processo decisório passe por um crivo mais amplo. Temos uma distância enorme entre as aspirações que estão postas e as respostas institucionais”.

Segundo Fernando Henrique, se quisermos ter um futuro nacional, vamos ter que mudar muita coisa, “vamos ter que caminhar muito mais na direção do social, na direção do cultural, do conhecimento e do respeito ao outro”. Se quisermos ter um futuro nacional, “não podemos ter medo de nos expor ao mundo, não imaginar que podemos nos desenvolver fechando-nos, mas imaginar que para que possamos fazer isso com força de afirmação, temos que sentir dentro de nós a vontade de mudar essas coisas que são as que mais doem”.

O Globo, 11/8/2013