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Lula, mas com quem?

 

Um clima de bodas jubilares parece tomar conta do novo governo, ora em preparo. Estaria talvez cedendo às celebrações do consenso, condizente com o quorum massacrante da reeleição. Mas até onde o governo de mudança pode aceitar esse pressuposto das velhas Uniões Nacionais, em que o triunfo nas urnas envolvia o pacto de permanecer-se no mesmo lugar? Ou melhor, dos ministérios clássicos do status quo rotativo, sinônimo do entra e sai também das clientelas para aproveitar-se, em turnos, do aparelho de poder?


Não restaria dúvidas de que o PMDB e suas mil patas de chegada a Palácio prepara-se sagazmente para fazê-lo, de um só salto, após a vitória de Lula. Prudentemente não se comprometeu de logo com o petista. Manteve-se sem candidato à Presidência, para agora permitir a convergência de todos os interesses municipais da próxima eleição a se beneficiarem do apoio do Planalto. Mais ainda, como primeira bancada legislativa, torna vã qualquer liderança dominante do PT em novo ministério. Mesmo porque no partido de Lula não apareceram lideranças novas capazes de ombrear com o presidente num partido que de fato faça esquecer a esbórnia do mensalão e do bem bom das vantagens planaltinas.


Da mesma forma, todo prurido renovador, ao antigo estilo do partido migrado para o PSOL, terá a sorte dos partidos nanicos. A nova iniciativa do Executivo não dependeria de reformas que necessitem do Legislativo de agora, ou aumentem o seu poder de barganha, no melhor quadro clientelístico de sempre. Significativamente o PDT virá às novas maiorias sob condição de não se realizar a reforma da previdência, nem a modificação das leis do trabalho. E o Presidente também já se deu conta de que não vai cair na trampa de priorizar a reforma política. Estamos ameaçados com os novos parlamentares de repetir para pior a performance desalentadora do atual Congresso. As absolvições preventivas dos sanguessugas reeleitos deixa à vontade o Legislativo sucessor, para manter-se nos usos e costumes da cosanostra; do "caixa 2" e das tradição clientelística na composição do Legislativo. De toda forma, uma última vaga moralizante pode bater às suas praias nos próximos meses no empenho em que os deputados Gabeira ou Jungman forcem a definitiva desmoralização das Comissões de Inquérito, e proponham o julgamento direto dos suspeitos de corrupção legislativa ao Supremo Tribunal Federal.


A vitória estrondosa de Lula não impede também que a expectativa do novo mandato volte aos chavões da esperança tradicional de mudança. Busca-se um projeto depois de quatro anos de se estar no poder. Mas o petista foi empurrado ao Planalto pela força de um inconsciente coletivo, que o legitimou simbolicamente e confia na segurança da opção, antes de se debruçar sobre um programa.


A força do presidente é plebiscitária num impulso que precede movimentos sociais, sindicatos, e, agora, de vez, o próprio PT. Os seus resultados dependerão da moção do Executivo, cuja estratégia pode envolver até o apelo prévio à conciliação partidária. Mas dela não depende o avanço do bolsa-família; das redistribuições de renda; do revolucionário projeto do micro-crédito, ou do apoio à agricultura familiar; terá repercussão multiplicada, sem necessidade de concessões legislativas. O PMDB vira sócio beneficiado do Planalto, tanto essas iniciativas do Executivo cheguem já a tempo, reforçando a sua força municipal e pondo de vez os tucanos na aliança com o status quo junto ao PFL, e sofrendo o seu beijo da morte. Teremos, pela primeira vez, um bloco ostensivamente conservador, como ficam do outro lado os partidos objetivamente da mudança.


Ao contrário, no próximo semestre a iniciativa vigorosa de uma política social, pelo Executivo desembaraçado, pode empurrar os seus aliados a vitórias municipais que desloquem, de vez, o PMDB da inércia clientelística de sempre. Um PMDB levado à mudança resulta desse biênio que Lula tem à frente para de fato dizer ao que veio. Sem o partido, mas fiel a opção de base, que permite a sua intuição vencidas todas as tentações do carisma e sabendo sobretudo de por onde não vai o Brasil do status quo e do moralismo denuncista.


Jornal do Commercio (RJ) 8/12/2006