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Lula lá, sem o PT

 

As variações mínimas entre os dois primeiros candidatos à Presidência parecem se estabilizar, após o susto de Heloísa Helena que, afinal, representa apenas a alternativa aos votos nulos. A alagoana logrou a torna, ainda, às urnas do país do desencanto ou do cinismo sofisticado, em mal que acossa sobretudo as elites extremas, tanto do statu quo quanto da utopia revolucionária. A candidata, aliás, não tem feito concessões à visão de um modelo socialista, de par com a volta clássica às rupturas internacionais e à declaração de guerra à economia global, e ao que continua, do acordo de Washington.



Da mesma maneira, a senadora satisfaz o conservadorismo mais atilado na bofetada que inflige ao presidente e a violência da crítica petista. "Só não me mate" é o grito em que o PSOL se quer ver como o castigo do PT confrontando a reeleição de Lula e a prática efetiva da mudança. Por outro lado, o dr. Alckmin não deixa dúvidas quanto ao bem comportado dos seus reformismos, na definição mais complacente do que possa ser um centro, sem causar mossa, nem susto ao cisco de votos do pefelê e do tucanato.



Dentro da inércia que parece tomar conta do avanço das preferências eleitorais, reduz-se a dúvida, de ainda uma quinzena, de se chegaríamos a um segundo turno para a vitória do presidente. É claro que o voto de Heloísa Helena se embarrica nas classes A e B, de expressão numericamente reduzida no quadro de massa do eleitorado brasileiro. E o voto que tem não se transfere naturalmente para o PSOL que ameaça sobrar na cláusula de barreira e submergir na condição ainda de partido nanico, com menos de 5% do eleitorado. É o mesmo contraste que define hoje a posição de Lula, cuja avalanche de votos vai à vitória sem ao mesmo tempo consagrar, como em 2002, o PT como partido dominante de um novo situacionismo. A legenda não assumiu a indigitada culpa do mensalão purgando-se ou modificando os seus quadros, ou aceitando uma proposta de refundação. O resultado será cada vez mais a vitória de Lula sem o PT e enfrentando todo um novo mosaico de partidos para o comando do Congresso, no qual avultará, sem dúvida, a importância do PMDB.



De toda forma, o segundo mandato põe em questão este fundo de apoio irrestrito ao presidente, e ao seu eleitorado de fé, inabalável. Continua na plataforma dos 33% do País que reiterará o seu voto em Lula. Não se abalou com o mensalão, nem com as cargas do moralismo onde o statu quo tentava quebrar a era inaugurada pela vitória incisiva do petista. Este eleitorado é o de todo aquele Brasil ainda da marginalidade básica que se mantém no umbral do mercado e do acesso ao emprego e à melhoria de renda. O enorme peso dos desmunidos, por sua vez, não se confunde com o proletariado, de onde saiu a primeira matriz sindical do PT. A vitória de 2002 se fez com estes dois eleitorados, a que cumulou um enorme setor da classe média tentada pelo "Lulinha paz e amor", e pela chance de um governo diferente, ainda que não necessariamente mudancista.



Todo este setor soçobra, agora, na nova opção eleitoral para a Presidência, sem, de fato, atingir os segmentos de base, responsáveis pela nova vitória de Lula. O que é mais importante, entretanto, é o quanto este Brasil da marginalidade manteve a sua esperança, mesmo se não obtivesse o prêmio esperado da entrada no mercado de trabalho, e na garantia do emprego que lhe permitiria somar-se às classes sociais e aos sindicatos no país. Receberam o toque, entretanto, da mudança decisiva e da ruptura da inércia, pelo acesso aos serviços sociais imediatos e ao ingresso nos benefícios da educação, e, cada vez mais, da saúde. O Bolsa-Família refletiu esta nova realidade e, por ela, o ganho de uma sensação de mudança e de acesso social, independentemente da perspectiva clássica em que se deveriam realizar a primeira esperança do destituído.



O apoio a Lula vai, por isso mesmo, independer das taxas pífias de aumento de emprego, vindas ainda do começo do mandato. Mas tal se o entendermos como a garantia de carteira, já que o salário informal se expandiu em condições surpreendentes, e remunera a mão de obra saída de vez do descarte social. Ou mesmo, em larga parte, do biscate como sua melhor fortuna.



Não sabemos ainda até onde o extraordinário sucesso do Bolsa-Família, nos seus 11 milhões de contemplados, teve um efeito de irradiação que leva a confiar numa nova etapa de mudança. Ou de se o sucesso já alcançado define o novo e surpreendente estado de satisfação social, capaz de renovar o mandato do presidente. É, talvez, nesta vertente que se assenta a solidez do novo governo. E os caminhos inventivos para atender a esse seu eleitorado particular que lhe dá outros prazos de sucesso e paciência nos resultados. Sobretudo abre para consolidação do "Lula lá" expectativas diversas das predições de colapso, do agouro das oposições ou dos moralismos de capa e espada.


 


O eleitorado de fé não se absorveu pelo proletariado, não foi ao sindicato, sequer aos movimentos sociais. Sabe o que esperar de Lula e, sobretudo, do que não quer de volta. Deveremos historicamente ao mensalão a consciência do que seja a "virada de página". Ganhará Lula eleito por quem a experimenta, sem os desgostos dos puristas ideológicos, dos aflitos pela mudança impossível, e dos espertos do reformismo de todos os recomeços.


 


Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 04/08/2006

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), 04/08/2006