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Lula e a impaciência de salão

 

Em todos os dados do pró e contra do ano I do PT avulta um número crucial: a permanência da confiança em Lula, por 69% da população, não obstante o apoio ao governo flutuar em torno de 45%, no seu suporte. O mais estável dos capitais para os meses à frente é o da solidez da espera do país, a ter como artífice a exclusivíssima figura do presidente. Árbitro da esperança do outro Brasil, pela primeira vez trazido à crença na viabilidade da mudança. Não é nos “sem terra”, ou nas populações marginais, que se vê a rebeldia às promessas do PT. Mas nos donos do poder e sua impaciência de salão.


Não encontramos na História - nem no competidor, Juscelino - esta irradiação genuína do homem do Planalto, timbrando, olho no olho no abraço, na exposição à fotografia. Nem carisma, nem sideração. A festa da posse continua no dia-a-dia da visibilidade de Lula. É convívio ao rés do encontro. A votação gigante que o elegeu não se despedaçou nos votos do Congresso, nem se descartaram os aliados da véspera, na construção destas maiorias inéditas no Legislativo.


Os resultados aí estão, nas primeiras reformas, a romperem a inércia a toda legislação substantiva para a mudança no país. O presidente é o primeiro a declarar o quanto o agora conseguido não corresponde, por mais que esmaecido, ao objeto de seu desejo. O que importa é ter-se desemperrado o maquinário do passo à frente.


Por outro lado, a aparente promiscuidade ideológica do PT com o PMDB não perde por esperar, frente à astúcia deste situacionismo estratégico. Aliado ao partidaço do dr. Ulysses, o PT se alastra no chão do Brasil-município. E a eleição das próximas prefeituras não descola apenas a velha legenda das marcas clientelísticas de sempre do PFL. Avantaja-se no apoio federal, não sem também ter o contrapreço da parceria: é o pote de barro frente ao de ferro com que o país, depois do pleito de 2004 vai acelerar a sua modernização política e cobrança programática.


A semelhança com o tucanato, de partida, nestes meses, não é coincidência mas risco calculado de governo que só pode mudar depois de estabilizar-se, nas regras de jogo sem quartel, de um país subdesenvolvido, no âmbito da globalização. Palocci e Meirelles fizeram o caminho financeiro obrigatório para tornar viável o país de Lula. Lessa, no BNDES, cobrando dos adquirentes faltosos do parque energético brasileiro, como a AES, ou a ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, restaurando os poderes concedentes do Estado nesse suprimento básico, entraram em franca ruptura com as privatizações, nascidas do neoliberalismo conformado do governo anterior.


O impasse, por outro lado, da última reunião da Internacional Socialista, em São Paulo, mostrou que o PT não se integra ao movimento. Supera-o, como real opção de futuro, nascido de um voto tão maciço e democrático dos excluídos, na marca histórica contundente das contradições finais do modelo hegemônico.


O possível não é, também, uma política esperta, que em vão esconde a face de quem dela tira logo partido. Lula, denunciado pelo fantasma venerando de Brizola, ou pela vestal de Alagoas, sabe que quem pode falar de esperança ou jogar a toalha é o país do outro lado. E este tem o seu cronômetro. O país que não voltou para casa, da festa da posse, impõe a sua marca incômoda e áspera aos cenários de todo o sempre, e da república que convém aos seus cartolas.




O Globo (RJ) 19/1/2004