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Joaquim Nabuco e Balmaceda

 

Ao encerrarmos as celebrações do Ano Nacional Joaquim Nabuco, podemos dizer com toda a convicção que Nabuco continua com uma agenda extremamente atual. Embora seja uma de suas obras menos celebradas, Balmaceda, muito mais que um simples ensaio ou uma arguta análise política, é uma síntese extraordinária das preocupações do autor – quase uma antevisão sobre o destino e os riscos que poderia correr o Brasil sob a República, então recém-proclamada.

Produto dos artigos por ele publicados no Jornal do Comércio, o livro encontra motivação na obra do chileno Júlio Bañados Espinosa intitulada Balmaceda, seu governo e a Revolução de 1891, que foi elaborada em defesa do presidente José Manuel Balmaceda.

Balmaceda, que foi um liberal na maior parte de sua vida política, viu-se na crista de uma crise, em que, apelando para o conflito com o Parlamento, terminou solapando o alicerce de popularidade que tinha alimentado a sua carreira política e parlamentar. O resultado foi a guerra civil de 1891, depois que o Parlamento deixou de aprovar a lei de orçamento para aquele ano e o presidente, ignorando o poder do Congresso, validou o do ano anterior. Quando o Congresso votou e aprovou a sua destituição, o presidente respondeu dissolvendo-o. Da solução pacífica dos votos passou-se ao prélio terrível das armas. Decorridos oito meses de combates, o triunfo do Congresso tornou-se inevitável e a Balmaceda não restou alternativa senão entregar-se e asilar-se na Embaixada Argentina, onde, no dia em que deveria findar-se o seu mandato, recorreu ao gesto extremo do suicídio.

As observações de Joaquim Nabuco, no curso de sua análise sobre os infortúnios de Balmaceda, não se cingem aos aspectos circunstanciais da vida do ex-presidente. Como em tantas outras oportunidades no livro, seus olhos veem o Chile e ele pensa no Brasil quando afirma: “Em nossos países, onde a nação se mantém em menoridade permanente, as liberdades, o direito de cada um, o patrimônio de todos vivem resguardados apenas por alguns princípios, por algumas tradições ou costumes que não passam de barreiras morais sem resistência, e que o menor abalo deita por terra.”

A crise política provocada por Balmaceda tem pontos em comum com os eventos que, no Brasil, marcaram o trágico 24 de agosto de 1954 e, no ano seguinte, os episódios de 11 de novembro, com a destituição e a consequente renúncia do vice-presidente da República e de seu substituto legal, o presidente da Câmara dos Deputados. Mas caracteriza-se, também, por diferenças marcantes.

No Brasil, o suicídio do ex-presidente Getúlio Vargas e a inquietação decorrente do movimento militar de 11 de novembro marcam a mais significativa diferença com o caso chileno. A saída pacífica fez-se pela eleição de Juscelino Kubitschek, no pleito de 1955, significando a restauração da normalidade democrática e o desestímulo às tentativas de intervenção militar.

No Chile, o drama e a tragédia consumavam-se na medida em que a proclamação da ditadura pelo presidente fechara as portas a qualquer entendimento e, consequentemente, à solução pacífica do confronto que dividira o país, obtendo como resposta o caminho para a violência de ambos os lados.

“Uma vez assentada a solução da morte, é preciso justificá-la, depois utilizá-la politicamente, por último escolher o momento”, escreveu Joaquim Nabuco. Assim é que, como também o fez Vargas mais de meio século depois, sua última mensagem Balmaceda a deixou numa carta, chamada hoje de o Testamento de Balmaceda. Nela Nabuco identifica três partes: uma é a revista  do procedimento da Junta Revolucionária, para mostrar que não lhe era permitido esperar justiça de seus inimigos e que, por isso, não realizava a sua primeira ideia de entregar-se a eles; outra é a sua defesa dos pontos de acusação que lhe ficaram mais sensíveis; a última é um brado de esperança na vitória ulterior de sua carta.

Nesta última parte está o fulcro das contradições dos sistemas políticos que sempre cercaram o exercício do poder pessoal em nosso continente. “O regime parlamentar triunfou nos campos de batalha, mas esta vitória não prevalecerá. Ou o estudo, a convicção e o patriotismo abrem caminho razoável e tranquilo à reforma e à organização do governo representativo,ou novos distúrbios e dolorosas perturbações terão que reproduzir-se entre os mesmos que fizeram a Revolução unidos e que mantêm a união para garantia do triunfo, mas que por fim acabarão por se dividirem e se chocarem”, alerta Nabuco.

A grandeza dos textos, sua perenidade e o alcance moral de seus ensinamentos fazem de Nabuco, mais que um autor, um mestre vocacionado não para ensinar, mas para educar.

O texto seguinte, mais que ilustrativo, é esclarecedor de sua maneira de pensar e da precisão em exprimir o que pensava: “O direito das Câmaras de negar os méis a um Gabinete que ela supunha fatal às instituições é um direito perfeito. As Câmaras são a Representação Nacional; a ficção é que elas são o país, ao passo que o Presidente não é ,senão, um magistrado. Entre a Representação Nacional, de um lado, e o Presidente, de outro, presume-se, havendo conflito, que a nação está com os seus representantes e não com o seu delegado, tanto assim que à Representação Nacional, em certos casos, é deixado exclusivamente a seu critério o direito até de suspender e o de depor. É o Poder mais alto de todos.”

A busca da onipotência do poder sempre ameaçou o futuro da democracia na América Latina (AL). Logo, a lição que Balmaceda escreveu com seu próprio sangue, e a assinou com sua própria vida, precisa ser aprendida por todos os que exercem ou venham a exercer o poder em nosso continente.

O Estado de São Paulo, 19/10/2010