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As instigantes lições de Iowa

 

A prospectiva do voto americano em 2008 começou pelo cáucus de Iowa. Claro, trata-se de Estado atípico, de pouca importância no entrelaço das correntes políticas do país. Não se pode extrapolar das primeiras vitórias nenhuma projeção para a escolha final dos competidores. Os resultados não servem de rampa para a candidatura Obama, nem dão a Huckabee qualquer cacife para avantajar-se entre os republicanos, como um fundamentalista evangélico. Mas o retrato de Iowa define já o panorama de fundo, quanto às tendências dos dois partidos, independentemente dos nomes em que concentrem a sua opção.


E de logo o que avulta, numa eleição absolutamente facultativa, é a duplicação da presença democrata às urnas, diante da republicana. Desponta um aguilhão da mudança que move mais o partido insatisfeito com o status quo político, a sair de casa no auge do inverno.


É tempo de alteração dos inquilinos da Casa Branca. A vitória preliminar de Obama, por outro lado, torna incisiva a opção eleitoral afro-americana. Já é, de si mesmo democrata, mas até hoje não teve uma candidatura que levasse um negro à cabeça de chapa. A escolha vai além do símbolo racial como a da biografia impecável na condenação da guerra do Iraque e no envolvimento dos Estados Unidos na ocupação do Oriente Médio.


Já o voto latino, que poderia chegar a 16% da população, mas só conta com 10% de votantes efetivos, parece, por agora, carrear-se à candidatura do governador republicano Robinson, em Estado de maciça dominância deste influxo étnico. Mas, a esta altura, um voto não democrático deste contingente traduziria um comportamento eleitoralmente esquizofrênico. Não há governo federal que mais tenha exacerbado a discriminação dos latinos no país, e é a Bush que se deveu a construção do novo "Muro de Berlim", a barreira de cimento entre a baixa e a alta Califórnia, entrando no Pacífico para evitar o contorno a nado. A nova mobilização chicana no país, contra a recente legislação que torna o imigrante um bandido até a prova de sua documentação, acutila uma consciência cívica, no pólo oposto em que o gueto cubano exasperou o radicalismo direitista na Flórida, como reflexos no tira-teima final entre Gore e Bush, nas eleições de 2002.


Mais significativo, entretanto, é o crescimento da tônica da motivação interna da política americana, nas discussões preliminares de Iowa. Voltam a dominar os problemas de violência e da segurança interna, e a dimensão internacional do eleitorado só ressalta uma islamofobia crescente, e o receio de um possível avanço terrorista. E cada vez mais, na visão doméstica, cresce o novo fundamentalismo sobre os neo cons, da primeira fase, ainda, da postura evangélica bushiana. Curiosamente, esta regressão não incide sobre os avanços já alcançados na política familiar. A prática totalidade dos candidatos, mesmo republicanos, não são contra a ampliação da legitimidade do aborto, e Hillary, assim como Obama, entre os democratas, ficam deliberadamente em cima do muro na aceitação do casamento de homossexuais.


O neoconservatismo está vindo, sim, a uma sacralização da idéia nacional americana, e à preservação, a qualquer custo, da sua ordem identificada a um status quo, como, hoje, o melhor dos mundos. O que importa, sim, é a maior ou menor ameaça a esse estado de coisas e qual, na verdade, a melhor premissa para a estabilidade. A da perene ameaça da guerra preventiva, de Bush, ou a busca objetiva, como permitiu a era clintoniana, do manejo de um poder tranqüilo em que a liberdade não se transforme numa mera ideologia da dominação. Quem melhor superaria a "civilização do medo"?


Jornal do Brasil (RJ) 9/1/2008