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Hoje como ontem

 

Fico pensando em como se comportam hoje os que me ameaçaram em 2018 por quase nada

Nas eleições de 2018, produzi neste espaço alguns textos que, embora ingênuos e quase nunca agressivos, acabaram provocando reações diversas e adversas, sendo algumas bastante ameaçadoras. Hoje, quatro anos depois, releio esses artigos e fico pensando em como tudo piorou tanto. Fico pensando em como se comportam hoje os que me ameaçaram em 2018 por quase nada. Será que devo até me esconder deles?

No último daqueles textos antigos, eu escrevia amedrontado: “Pense bem no que você vai fazer no próximo fim de semana. Quer dizer, pense bem em como você vai votar no domingo, em quem e por quê.” E eu acrescentava que “não gostaria que o Brasil passasse por um recuo político e ético como o que está sendo prometido pelo provável vencedor e seus apoiadores.” Não deu outra.

Mas não era disso que eu queria falar. Outros jornalistas, escritores e palpiteiros, sobretudo no mundo digital em que tudo pode, estavam e estão fazendo isso com muito mais talento, argumento, empenho e sabedoria. O que eu queria e ainda quero falar é dos quatro anos que se seguirão ao resultado eleitoral de outubro. Durante os próximos quatro anos, um dos dois reinará sobre a população brasileira e é de seu comportamento que devemos cuidar. E para isso precisamos nos preparar.

E aí eu escrevia o que vale até hoje e valerá sempre: “Em primeiríssimo lugar, exigindo que o vencedor respeite a Constituição que nós todos, expressa ou implicitamente, juramos respeitar. Governar sem observar respeito à Constituição é como viver numa selva em que só a violência e o acaso decidem o que deve acontecer.”

Não se trata de mera formalidade que os governantes tratarão de interpretar ao sabor de seus interesses políticos e administrativos. Mas de uma necessidade sem a qual não saberemos como nos mover, as regras sob as quais o país sobrevive com alguma dignidade, identidade e unidade de propósitos, um conjunto de condições sem as quais nada faz sentido, sem as quais não saberemos nunca onde fica o gol adversário e mesmo o nosso. Não levá-la em consideração é declarar-se perdedor antes de o jogo começar.

A cultura do povo que a Constituição deve representar é a soma de seus hábitos e costumes, dos meios que, ao longo do tempo, escolheu para viver. Mas não apenas o jeito majoritário de viver e sim todas as formas que, mesmo minoritárias, não signifiquem prejuízo para o outro.

A verdadeira democracia é aquela que garante à maioria a liderança da sociedade e reconhece o direito das minorias se manifestar e viver do jeito que julgar mais apropriado, saudável e conveniente sem fazer mal a ninguém. Se no discurso dominante não houver pelo menos uma pequena probabilidade de o contrário estar certo, ele será sempre um discurso autoritário que não serve a nosso progresso material e espiritual.

O Globo, 14/08/2022