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Heloísa Helena ganha em Ipanema

 

A surpresa da subida eleitoral de Heloisa Helena não engana quanto ao recado desse voto, nem de como repercute o balanço final da escolhas de 1° de outubro. É uma escolha que mobiliza brasileiros de ganho acima de cinco salários mínimos e vai, portanto, atingir já a base das classes médias e dispara nos setores abastados da população. É o voto de protesto, somado ao de desencanto que desmonta parcela do eleitorado bem que, em 2002, deu uma chance a Lula. Seu contingente, que já vai a 10% dos eleitores, e pode até superá-lo, teve a função fundamental de frear o voto nulo no país. Neste aspecto, o crescimento do PSOL reduz a passagem do desânimo ao cinismo, e mantém um coeficiente de cidadania ativa, sôfrega de resultados e punições.


 


A proposta do programa do PSOL, na articulação de César Benjamim, tem tudo de um petismo passado a limpo, como se pudesse vencer as resistências do sistema por um voluntarismo político, suscetível de, em horas, expulsar os vendilhões do templo. O que quer o PSOL tem muito mais a ver com a erradicação de clientelas e a moralização do que está aí, do que com a busca efetiva de uma alternativa à saída do neocapitalismo global que nos circunda.


 


O programa reconhece a violência das privatizações durante o tucanato, mas, ao mesmo tempo, a inviabilidade da volta atrás, numa reestatização da economia em seus setores decisivos. O que pretende é avançar na luta contra o aparelho político, no que o petismo teria sucumbido. No sintoma talvez mais claro da contradição, a que pode levar ao purismo político, Benjamim pergunta-se se os governos, de fato, devem se preocupar em ter maiorias operacionais. Tal importa em sufragar o conteúdo nitidamente utópico que ambiciona, reforçando o teor de protesto em que o partido articula seu recado.


 


Não propõe um salto de modela. Mas reeducar e corrigir o PT de todas as decepções.


 


Significativamente, a ruptura dos puros com o governo não levou, como se pensava num primeiro momento, à completa desaparição dos contestatários, passados a partidos afins, e a mal se reconhecerem no PSB ou no PPS. A revoada acabou tendo destino certo, e o PSOL parece ser um grupo de tutela da ortodoxia do PT, na esperança de fazê-lo voltar ao redil da fundação, e ao que então se pensava como o partido diferente. Mas até onde, na busca desse propósito a largo prazo, vai-se agora encontrar um eleitorado objetivamente esquivo a esta perspectiva e a esta identidade básica?


 


A expressão de voto de Heloisa Helena e seus companheiros se aduba nas classes A e B, na confusão mais clara entre o voto de protesto e o voto da mudança conseqüente. Arrebanhará aí, por força, o joio e o trigo do voto da bofetada no PT, e o de uma elite de esquerda, da cobrança sofisticada de um socialismo já. Mas é de longe o grupo moralista que empurra os 10% de Heloisa, sem nenhum compromisso efetivo com a legenda, após a estrita e sonora palmada de lula nas urnas. Nem por outro lado, até agora, se identifica o voto na senadora e o voto no PSOL. Mesmo empurrado pela alagoana, a legenda detergente vencerá, de vez, a cláusula de barreira?


 


De toda forma, as eleições demonstrarão esse desgarre entre as candidaturas à Presidência e os partidos, a começar pela própria vitória de Lula. Mas se este renovará seu mandato, lastreado sobre a firmeza de intenção de voto de sua grande fé – com ou sem o PT – a candidatura da senadora borboleteia em altíssima indecisão ainda pelo luxo de cálculos que forra o “país bem”.


 


Heloisa está condenada a ganhar os votos fora de seu chão, sem respaldo para o que venha a fazer, na seriedade de seu propósito político. Não tem força no Nordeste, a partir de sua própria Alagoas. Vai prosperar no Centro-Sul e nos alambiques de classe alta, pouco votada pelo voto opaco, insípido e inodoro do doutor Alkmin. A senadora-enfermeira lidará com as equimoses deste equívoco de base. Mas bruxas há a sua frente e Heloisa Helena pode sobreviver a um partido fantasma e esturricado, como cactos da teimosia e do desassombro agreste.


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 26/07/2006

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 26/07/2006