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Futebol e marginalidade gloriosa

 

Zico, em entrevista, finalmente cobrou as consequências do que ora vê o Brasil, no horror do crime de Bruno e seus asseclas. Dá-se conta o país do quanto a marginalidade infestou o cotidiano dos jogadores do esporte sumo. Mais, ainda, permitiu-lhes a sensação de impunidade, em que o goleiro surge, na sequência de outros astros frequentadores de drogas, nas paradas sexuais da Barra, ou na farra permanente. Não testamos, ainda, o quanto esta nossa preguiçosa tolerância engole a consciência, diante da abominação. 


Só vimos o à-vontade do indigitado assassino até horas antes da detenção, e no conforto recebido pelos seus pares, até o desmascaramento da violência inaudita. E o condoimento vem logo a seguir,  diante das imagens de prisão “de um companheiro de trabalho que conquistou títulos com a gente”. E qual a responsabilidade do clube, preocupado mesmo com os mega prejuízos financeiros, em acompanhar o comportamento dos jogadores, já que é comum o seu envolvimento com as transgressões, repetem os criminalistas especializados.


A sociedade dos ídolos é também a da marginalidade, mas a siderar seu público, no que façam dentro ou fora do gramado. Bruno responde ao maior perfil de crime hediondo dos nossos dias, possível a uma cabeça que juntava, à patologia, o sentimento de impunidade, só permitida ao jogo sumo da cultura brasileira. E o que é a monstruosa sequência de comandos do goleiro a seus empregados, Macarrão e Marcos Aparecido, a mostrar, mais que a loucura, a rotina da pior violência na execução sumária da vítima? E desde quando funciona esta usina de desaparições, em Esmeraldas, que parece vezeira na ração, de mãos e intestinos humanos, de seus cães?


A macabra subserviência dos executores foi a do “desossamento” do corpo de Elisa, entregue aos rottweilers para o repasto sem resto. Entre Landrovers e Daewoos, motocicletas, piscinas e purificadores de ar, o luxo de Bruno não poderia sofrer o menor incômodo, no desfecho mais rápido entre abate e desaparição da vítima, confiada aos auxiliares assassinos, com todos os requintes da frieza profissional. Beba o goleiro a cerveja bem gelada. E que não mais se fale disso, e vamos ao próximo jogo.


E de logo passemos também à litania das penas que pagará o assassino, com todas as escusas da debilidade mental, ou na boa forra das expectativas do país, no meio século de cadeia. Ou, na entrada em cena dos livramentos condicionais, nascidas do bom comportamento de Bruno, ao lado do comparsa Macarrão, confiando numa rápida volta à casa. O goleiro não está ainda de todo conformado com a não entrada na próxima Copa. No jogo maior somos, todos, sempre cúmplices da desmemória, com que já vamos, inocentes e desanuviados, à busca do hexa. E já no roldão desses quatro anos, por quanto tempo nos lembraremos do horror de Bruno, no aluvião do Brasil de todas as tolerâncias e do “deixa para lá”?


Jornal do Commercio (RJ), 16/7/2010