A primeira mensagem de Bin Laden em 2008, e no aniversário da ocupação do Iraque propõe novas regras para o apocalipse a que quer condenar o Ocidente. Anuncia condicionantes claros, ao invés do horror sem volta em que a “civilização do medo” se constituiu desde 11 de setembro. São esses também os dias em que os mortos de Manhattan se equilibram ao dos soldados americanos que não voltarão do Iraque. O saudita ameaça a Europa de uma nova e generalizada ação terrorista se se repetirem as caricaturas do Profeta na seqüência do primeiro choque de 2006.
Não se trata apenas de atentar a que o perigo dos homens-bomba se transformou numa ameaça generalizada, brotada de um inconsciente coletivo acordado pelo horror do World Trade Center. O super-terrorista quer recuperar os seus controles e manter o gatilho para, de fato, acelerar uma guerra de religiões imputando ao Ocidente a ação provocadora.
O primeiro escândalo das caricaturas do Profeta, no Jislander Post, foi visto pelo Ocidente como um exercício da liberdade de expressão amparado no quadro dos direitos humanos básicos de nosso tempo. Os desenhos repercutiram, entretanto como blasfêmia, no quadro de uma visão religiosa e teocrática da sociedade, como a que marca a maior parte dos países islâmicos desta virada de século. O que está em causa hoje é a assunção ostensiva dessa escalada, pela extrema direita holandesa consciente de até onde pode chegar, e no paradoxo de fazer do terrorista número 1 um vingador da fé no centro do confronto com o Ocidente. Põe-se à prova, numa das suas áreas mais sofisticadas, como o Norte europeu, o legítimo direito de dissentir, passado à provocação deliberada contra a identidade religiosa de uma coletividade no limite do seu efetivo e indiscutível reconhecimento internacional. Não é outro o propósito do Deputado ultradireitista Geert Wilders no seu filme “Fitnah”, liderando uma bancada já de nove membros do Parlamento holandês.
O cenário aí está, e aceso o estopim, se não contido por uma Europa que aceite o pluralismo cultural como requer o seu avanço hoje com o mundo das liberdades. O intento radical dinamarquês, de conter a migração islâmica, numa posição fundamentalista em defesa dos “espaços vitais” do Continente, é hoje a bandeira que começa a associar outras bancadas de um neofascismo europeu, a partir da Áustria e de minorias dos países latinos. As ressonâncias desta atitude voltam, temporãs e inquietantes, à grande Europa de hoje inclusive às vésperas de aceitar a entrada da Turquia no seu seio, a assentar da bacia mediterrânea a retomada do bloco de onde arrancou para a história da modernidade.
Não se discutirá da inexpressividade objetiva desses movimentos, mas o perigo inesperado da aceitação catastrófica, de vez, ao repto que lhe endereçou Bin Laden, e ligar o curto circuito da “guerra de religiões”. E tal quando na surpresa de sua vitalidade profunda, a democracia americana na escolha das suas candidaturas às próximas eleições isolou os núcleos bélicos evangélicos, que se apossaram do Salão Oval do governo Bush. É este vento das liberdades que pode dar outro trunfo surpresa, às vozes de um Zapatero, ou de uma Ségolène Royal para desmontar a trama de uma extrema direita, que não meça custas no que pretende, e procura em Bin Laden, o seu comparsa esperado e bem-vindo.
O Globo (RJ) 7/4/2008