Ao que tudo indica teremos na campanha eleitoral para presidente da República este ano uma disputa de estilos de fazer política que testará até que ponto chega a desilusão do eleitor, e se está mesmo superada a maneira de se aproximar do cidadão através de máquinas eleitorais tradicionais.
O choque entre a política partidária e a das mídias sociais será visto internamente, na campanha da chapa Eduardo Campos – Marina Silva, e também na disputa entre os três principais candidatos, que já estão trabalhando com as mídias sociais, mas em intensidades distintas. O uso das novas tecnologias deverá ser mais intenso na campanha do PSB, por influência dos “marineiros”, mas, sobretudo, por imposição de um pragmatismo irrecusável: o partido não tem estrutura para sustentar uma campanha presidencial disputada como será essa.
A ideia, defendida por Marina, de que a campanha se fará através de ondas de disseminação de projetos pelos grupos de eleitores, independentemente das máquinas partidárias, está prevalecendo, para marcar a chapa como a esperança de um novo tempo político. Ao contrário de disputar com seu adversário cordial Aécio Neves os palanques regionais, como faziam no início da campanha, o ex-governador de Pernambuco decidiu explicitar uma discordância com a política tradicional, que até aqui o tinha levado a posições de destaque.
Nada tem de banal a afirmação de que levará o PMDB para a oposição se vencer a eleição presidencial. Com isso Campos tenta se afirmar como candidato da ruptura com o que chama de “velha política”, apesar das contradições inerentes à sua vida partidária pregressa, e promete quebrar uma norma da política brasileira do período recente, a de que ninguém governa sem o apoio do PMDB. Com essa postura, muito devida à pressão do grupo de Marina, Campos está abrindo mão de palanques fortes, e não apenas contra o PMDB. No Rio Grande do Sul, perdeu o apoio da candidata favorita ao governo, a senadora Ana Amélia do PP, que fechou acordo com o candidato do PSDB Aécio Neves.
Em São Paulo, pode deixar o palanque do governador Geraldo Alckmin, uma aliança que seria natural já que seu partido apoia o governador tucano desde o início do governo. E no Rio de Janeiro terá como suporte a candidatura do deputado federal Miro Teixeira, que é dos principais apoios políticos da Rede, o partido de Marina.
Como Marina foi muito bem votada nos principais estados brasileiros, ela impôs como premissa da aliança com o PSB ter candidaturas próprias neles, em vez do apoio de máquinas estaduais tradicionais. As dificuldades que essa estratégia traz para a formação de palanques regionais teriam que ser compensadas pela transferência de votos de Marina, o que ainda não se concretizou nas pesquisas.
A aposta é que esse tipo de transferência não se faz da noite para o dia, mas pela confirmação de um estilo de fazer política que leva a uma identificação com os anseios do eleitorado. As ondas de contaminação ocorrem em ritmo próprio, como o que aconteceu com Marina na eleição de 2010, ou com Fernando Gabeira na disputa pela Prefeitura do Rio em 2008.
Ao contrário, o candidato do PSDB, senador Aécio Neves, está empenhado em montar os palanques regionais na base da política tradicional e de muitos acordos de bastidores. No Rio, por exemplo, já recebeu o apoio de parte considerável do PMDB e nos próximos dias terá o de partidos como o PP, PSD, Solidariedade, todos da base do governador Sérgio Cabral e da presidente Dilma. Na Bahia, terá uma coligação heterodoxa a nível nacional, mas com amplo alcance na regional, com PMDB e DEM. No Maranhão fechou acordo com o PCdoB do favorito à eleição para governador Flávio Dino.
Os movimentos de Aécio mexem também com a estrutura partidária que está fora dos acordos oficiais, pois é pouco provável que ele consiga apoio formal de partidos que hoje estão na base do governo, que darão seu tempo de televisão à reeleição da presidente Dilma. O PT nunca esteve em um papel tão oficialista quanto nesta eleição, dependendo mais de sua força institucional, que gera poder e dinheiro, como o principal partido de apoio ao governo Dilma. Sua força eleitoral não tem mais aquele componente moral que já deu ao PT a liderança da mudança política. Ao contrário, hoje, depois de 12 anos de governo, representa a maior força conservadora do país, e utiliza a máquina governamental para garantir a permanência no poder. Com todo o desgaste que essa posição acarreta.
O Globo, 20/4/2014