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Esquerda e alternativa na Europa

 

O começo do ano cumula surpresas no cenário político europeu, acomodado, a partir da Alemanha e da Itália, ao status quo, por maiorias milimétricas consentidas. Tratavam-se de cautelas temporárias na confiança, ainda, de verdadeiras mudanças, ou do começo de conformismo a um regime sem alternativas à vigência de verdadeiras esquerdas? A demissão do primeiro-ministro italiano, pela estrita imprudência estratégica de Prodi, levará à inviabilidade de qualquer remendo da mesma ordem, e à aceleração das campanhas eleitorais, a que se prepara, gulosamente, o retornismo da direita na Península.


Da mesma forma, os resultados eleitorais de Hesse e outros Estados deverão mostrar que a fragílima coalizão de Merkel antecipa o seu desfecho, mas, ao contrário, pela subida dos partidos de esquerda. Chapas vinculadas, apenas, à menção da tendência puderam fazer a diferença, na captura de um novo estado de espírito político na República Federal. É difícil imaginar, entretanto, que uma nostalgia epidérmica de mudança se aprofunde, sem que o teor mesmo dessa noção de esquerda reencontre um marco dialético, diante do gigantesco aparelho de mercado, em que a União Européia se aprestou, nas suas estruturas econômicas, a condicionar as sociais, e as políticas, num jogo que aposenta definitivamente a alternativa.


O patético exílio dos elefantes socialistas franceses, de Jospin a Lang, é o da remoção de toda utopia, trocada pelos arremedos em que as esquerdas se conformam a jogos mínimos de propostas de mudança, do estatuto de aposentadoria, ou de acesso universitário. É o que pode um regime que exauriu, pelos jogos globais de mercado, a sua capacidade fiscal, e de efetiva intervenção do Estado nos seus suportes coletivos.


Mais difícil do que o ortodoxismo da esquerda, pós-Ségolène, é definir-se o que seja a realpolitik do socialismo, sobretudo para o confronto a longo prazo, que implicou a vitória do sarkozismo. Ou melhor, da condição inercial do processo de globalização, assumida na tratativa frontal com o poder hegemônico, sem os cuidados protocolares de Chirac, nem pruridos na associação ostensiva do governo com o status quo econômico do país.


O capitalismo francês aceitou os jogos feitos do poder fiscal, tal como esse recusa qualquer reformismo, no acesso social às condições de mercado. Dentro desse quadro, as dinâmicas emergentes serão sempre agregadas, na nova integração em que a globalização financeira, que avançou sobre a econômica, começa a programar suas opções de futuro.


Ruptura relativa com o status quo, frente às eleições de 2008, é, sim, a espanhola, já que o Partido Socialista, trazido prematuramente ao poder, pelo atarantamento de Aznar frente aos atentados de Madri, abriu o caminho corajoso na dimensão social da mudança, no trazê-la à compatibilização do que é o modelo europeu de ponta no confronto à hegemonia em marcha. Por força, Zapatero enfrenta a retomada dos problemas separatistas do ETA. Mas é uma consciência comum do país, a que não rejeita a proposta de seus opositores, que prega, a esta altura da complexidade européia, uma solução de "lei e ordem" para o avanço democrático da diferença no seu seio. Este reforço da dimensão social, como caução possível à esquerda, levou o governo a antecipar-se, surpreendentemente, aos vizinhos franceses, na discriminalização do aborto, ou no casamento de homossexuais, ou em todas as novas legislações de respeito à vida e à valorização da cidadania, nos direitos da sociedade, frente ao Estado.


A radicalização do PP e das forças de Aznar, frente às eleições de 9 de março, são só o demonstrativo do quanto, ao contrário de 2005, uma votação pelos socialistas representa uma convicção de fundo, ganha como superação de anacronismos sociais. Mas uma nova vitória de Zapatero lhe deixa na soleira das alternativas reais, numa Espanha herdeira das esquerdas viáveis do Velho Continente.


Jornal do Brasil (RJ) 6/2/2008