RIO - Vivemos nestes dias ineditismo político de efeitos decisivos sobre o longo prazo do país. A candidatura Dilma deixa de ser um debate de gabinete presidencial, para a chegada de seu nome a uma onda nacional de expectativa e reconhecimento. Qualquer que seja o desfecho de sua permanência, desapareceu a discussão da viabilidade do nome à sucessão de Lula. Haverá, na pior das hipóteses, um candidato pós-Dilma, na acolhida do inconsciente coletivo do país ao que seja a sequência do presente governo.
Menos do que quem seria, mas de como continuará a candidatura apontada pelo Planalto, se pauta à discussão atual. Não se trata mais de opção futura, nem de vacilações, quanto ao último sim de Lula ao nome cogitado. A eventualidade de uma tragédia só tornou mais nítida a decisão presidencial de enfrentá-la, e saiu dos vaivéns das prévias, ou das discussões de antessala, ou de realpolitik, posta em palanque a sucessora que quer na Presidência.
É como se, nesses dias, a inevitabilidade da aceitação só tivesse como dúvida a doença e suas intercorrências, cujo desfecho espontaneamente já se levanta a unanimidade nacional da esperança, somada ao apelo da Providência, e à expectativa de uma sucessão transformada em anseio cívico gigantesco. O que haja de rígido na figura de Dilma só diz da seriedade do projeto de mudança vivido sem concessão pela ministra, determinada a ir adiante como fato consumado. A intuição presidencial responde por inteiro ao que quereria ouvir o país.
Lula toma como fiador o Brasil à sua volta, nos inéditos 82% de sua popularidade, nutrida pelo apoio contínuo nos símbolos e no prodígio do operário chegado à Presidência. Esse fenômeno não cessa de forrar o imaginário nacional e remunera indefinidamente aquele Brasil saído do nada. Uma mesma alquimia blinda agora a esperança no que se desatou, com o nome de Dilma e a instintiva confiança no bom desfecho.
No quadro das catástrofes que o país in limine exorciza, não haveria mais um sucessor de Lula, mas da ministra, nos caminhos já traçados da aceitação implícita pelo eleitorado, na visão de um mandato em que a vontade dos deuses não pode impedir a vontade sofrida e partilhada dos homens. Lula aceitou as regras do jogo da democracia ao resistir a toda tentação de reforma constitucional para um terceiro mandato. Assentamos a democracia, contra as presidências perpétuas e os plebiscitos de fortuna, a contaminar hoje o continente a partir de Caracas.
Nestas semanas críticas, viramos duas vezes a página das perplexidades, a que nos levaram o sucesso de um governo e a nossa subcultura instintiva de só acreditar no seu continuísmo. O passo adiante já se deu, nessa investidura de Dilma em nosso imaginário da mudança, cercado pela eventualidade de seu sacrifício. Assim só se reforça o símbolo que passa ao programa de governo que ela encarna, no que o PAC expressa o Lula lá.
Sensibiliza, a olhos vistos, a imensa compreensão nacional, diante de uma liderança que prescindiu dos feminismos fáceis, deixados de lado, pela militante da cabeça, de crenças provadas pelos enfrentamentos-limite de sua biografia. Mais que a candidatura, o evento Dilma definiu a ida do governo às urnas no pós-Lula. A sucessão passa por ela, de qualquer forma, tanto deparamos, mais que um voto, a opção, de vez, do país pela alternativa da mudança.
Jornal do Brasil (RJ), 13/5/2009