No momento em que as estatísticas mostram o Brasil em sexto lugar entre os maiores PIBs mundiais, e a China como segunda economia fazendo sombra aos Estados Unidos, um trabalho do economista José Tavares de Araujo Jr, diretor do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (CINDES) constata que as diferenças entre os atuais estilos de inserção internacional do Brasil e da China derivam fundamentalmente de dois fatores: a fragmentação dos processos produtivos contemporâneos, que faz com que o comércio de partes e peças cresça mais rapidamente do que o de bens finais; e a importância da geografia econômica e da infraestrutura de transportes na conformação das vantagens comparativas de cada país.
São estilos de inserção internacional radicalmente distintos, mas não é possível concluir, diz José Tavares, que um estilo seja superior ao outro, embora a China esteja podendo tirar mais proveito que o Brasil dessa revolução nas tecnologias de informação, que, segundo os especialistas, reduziu drasticamente os custos de transação, ampliou o grau de transparência dos mercados, e estimulou novas estratégias empresariais baseadas na subcontratação de bens e serviços e na formação de parcerias estáveis entre fornecedores e compradores de insumos e componentes industriais.
O economista pega a produção de Iphones como exemplar desse novo modelo: cerca de 90% dos componentes são fabricados fora dos Estados Unidos. O aparelho é montado na China e distribuído para as lojas da Apple no mundo inteiro.
Apenas algumas atividades são realizadas nos Estados Unidos, como o software, a estratégia de publicidade, e determinados semicondutores, que são produzidos no Texas por uma firma coreana, a Samsung.
Tavares ressalta que o grau de integração das economias asiáticas já era alto em 1992, por exemplo, quando os membros da ASEAN (associação criada em 1967 por Cingapura, Filipinas, Indonésia, Malásia e Tailândia), Austrália, Coreia do Sul e Hong Kong destinaram aos países vizinhos parcelas da ordem de 40% a 60% de suas exportações.
Naquele momento, os dois principais centros do comércio regional eram o Japão e a ASEAN, mais tarde foi ampliada com a adesão da Birmânia, Brunei Darussalam, Camboja, Laos e Vietnam. Japão e Índia, contudo, destinavam mais de 70% de suas exportações ao resto do mundo, perfil similar ao da China, com grande parte de seu comércio de longa distância realizada através de Hong Kong.
A importância da infraestrutura de transportes neste processo dificilmente poderia ser exagerada, lembra José Tavares. Atualmente, entre os oito países líderes mundiais na movimentação de contêineres, seis são asiáticos, em contraste com a situação da América do Sul.
Em 2008, a movimentação de contêineres nos portos brasileiros foi inferior à metade do volume da Malásia, que ocupa o último lugar na Ásia.
A diferença relativa entre o Brasil e o Chile, segundo colocado na América do Sul, é da mesma ordem.
Outro fator que contribuiu para reduzir os custos de transação foi a convergência das políticas comerciais.
Para Tavares, este crescimento exponencial foi devido em grande parte à divisão regional do trabalho. Assim, a principal função da China nesse processo é o de servir como plataforma de exportação para os países vizinhos.
As perspectivas de crescimento do comercio regional continuam elevadas, dada a probabilidade de que a Índia venha a estreitar suas relações econômicas com os países vizinhos.
Já a participação da América do Sul nas exportações e importações brasileiras nas duas últimas décadas passa por altos e baixos.
Entre 1990 e 1998, as exportações brasileiras para a América do Sul registraram um dinamismo inédito na história da região, tendo saltado de 9% para 24% do total exportado pelo país.
O crescimento relativo das importações vindas da região foi menor: de 16% para 20%. Estas mudanças resultaram das reformas comerciais unilaterais no Brasil e em outros países no início daquela década, bem como do lançamento do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) em 1991.
Entretanto, na década seguinte, os níveis de integração regrediram. Em 2002, a parcela das exportações caiu para 12%, devido basicamente à crise argentina, e a partir de 2005 estabilizou-se num patamar de 19%.
Do lado das importações, a parcela declinou lentamente ao longo da década, e desde 2004 tem oscilado em torno de 15%.
Em síntese, diz Tavares, o Brasil não tem condições de exercer na América do Sul um papel similar àquele exercido pela China na Ásia.
Além de não ter vizinhos com as características das economias do sudeste asiático, falta a logística de transporte.
Visando enfrentar esta situação, em agosto de 2000, os governos dos 12 países do continente lançaram a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), que constitui um conjunto de projetos organizados a partir do conceito de eixos de integração.
Não obstante seus méritos conceituais, José Tavares ressalta que a principal fragilidade da IIRSA é sua dependência de investimentos estatais, pois obras públicas de longo prazo raramente são executadas de acordo com os cronogramas originais, que podem ser alterados ou interrompidos em virtude de restrições fiscais ou da eleição de novos governantes com prioridades distintas daquelas adotadas pelos antecessores.
O economista José Tavares ressalta no seu trabalho que, em contraste com o voluntarismo e a complexidade da América do Sul, os acordos firmados pelos países asiáticos se caracterizam pelo pragmatismo e a simplicidade.
Da mesma forma, não existem, até o presente, registros de resistências protecionistas que tenham impedido o bom funcionamento dos compromissos firmados, como é usual no MERCOSUL.
O Globo, 16/3/2012