Dado fundamental na última pesquisa eleitoral do instituto Sensus é o da intenção espontânea de voto da população brasileira. Lula é três vezes mais lembrado do que José Serra.
Mantém-se, se não cresce, a opção maciça do país, a poder exprimir até o inconformismo com a inexistência de um terceiro mandato.
Ao mesmo tempo, a variação de 5% em torno do teto dos 82% de aprovação presidencial é cíclica durante todo este último ano. Os percentuais de queda no último mês surpreendem até por absorver o impacto negativo que se pensava mais desgastante a somar a defesa de José Sarney aos quiproquós do entrevero entre a ministra Dilma Rousseff e ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira.
O recuo inclusive ficou abaixo do pior momento de ameaça da crise financeira, em maio último. Qualquer prospectiva eleitoral nesse momento também se dá conta de que empatam, no nível de rejeição, em torno dos 40% os nomes de Dilma, Antônio Palocci, Aécio Neves e Marina Silva.
É o que torna a questão crítica agora de saber-se do poder de transferência do presidente, em etapa em que desaparece constitucionalmente o terceiro mandato e Lula travou de vez a viabilidade do plebiscito.
O respeito internacional do nosso homem do Planalto cresce, hoje, diante de sua firme decisão de se contrapor ao relaxamento democrático que vem percutindo na grande maioria dos países andinos.
A empreitada da Presidência perpétua chavista, hoje continuada por Morales, na Bolívia, Correa, no Equador, e Ortega, na Nicarágua, marca essas Repúblicas bolivarianas no quadro de uma regressão democrática, incompatível com qualquer visão do desenvolvimento sustentado.
Estranhamente, agora é a própria Colômbia que cede à mesma tentação, levando Uribe ao plebiscito e à busca de um terceiro mandato em Bogotá.
E desnecessário repetir a admiração expressa de Barack Obama a nosso presidente, que "mantém as regras do jogo".
Num país em que é ainda tão precário o impacto internacional no que fazemos, como repercute no povo de Lula essa renúncia explícita à viabilidade de um terceiro mandato?
Em que nível o gesto passa, já, ao nosso inconsciente coletivo, resistente ainda a se dar conta da inevitabilidade da sucessão, após estes idos de setembro?
Não temos a tradição do aponte ou da sagração prévia nem a dinâmica natural às lideranças aponta a um nome ungível sem discussão.
Em nossos costumes políticos, por
outro lado, a renúncia, como gesto de grandeza política, não tem precedentes. Ao contrário, foi objeto do grotesco no golpe de Jânio Quadros.
Esses 80% de popularidade do presidente, inteiramente à margem do partido, estão vinculados à experiência também inédita do "povo de Lula" de um ganho inequívoco e continuado de melhoria de vida, em que os últimos oito anos evidenciam o contraste com o Brasil de antes e de vez.
E a noção mesma de oposição que se descarta quando o eleitorado vive uma virada de página e entende, na continuidade do que está aí, o resultado de uma opção profunda, mais que um voto da hora, de uma consciência nacional emergente. Esta sabe por onde não ir, tal como, na seqüência do presidente, a marcha ao rumo do país independe de investiduras pessoais e avança pela simbologia radical de um arranque coletivo e de sua natural continuação.
Nos cenários da escolha nacional, não se cancele o desponte, irreprimível, do voto espontâneo. Não some da competição oficial, mas, no fundo do inconsciente coletivo, encontra o desaguadouro da primeira escolha.
E vai às urnas como um plebiscito clandestino, em favor de quem não tem herdeiros, mas sucessores, num terceiro mandato, do povo de Lula sem o Lula lá.
Folha de S. Paulo, 22/9/2009