Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Democracia profunda e autoritarismo radical

Democracia profunda e autoritarismo radical

 

A vitória de Barack Obama acordou um vagalhão histórico pelo desemperro democrático em todo o mundo. Este empenho sacode os fatos consumados dos regimes autoritários, e a volta às ruas no que é, ainda melhor demonstração da vontade popular. Isto é, o visual das marchas à frente do aparato policial e do sangramento do confronto. Não é mais apenas a parada simbólica de um conformismo subsequente, como mostra o poder de aliciamento dos twitters sem descanso.


Seria impensável até agora no regime dos aiatolás que um dissenso prosperasse diante dos resultados formais das urnas. O avanço do protesto forçou a primeira fenda, num regime embassado, até agora, sem volta, como um Estado tecnocrático.


Doutra parte, a democracia profunda pode também sofrer de um excesso nessa ida às ruas nos nossos Estados de Direito estabelecidos, e exatamente no campo mais sensível da vida universitária. No confronto público quase rotineiro esconde-se, talvez, a violência mais sutil à presunção de um regime de efetivas maiorias, no dizer da vontade do grupo. Aí está a clássica escalada dos corpúsculos mais ativos no seio dessas comunidades, transformando, via de regra, um voto de escassíssimas minorias objetivas, na tirania contumaz das radicalidades no seu seio.


Deparamos a força coriácea e crescente dos profissionais da greve, em assembleias já de sei mínimas, e apostando no tompor ou leniência das verdadeiras maiorias para dizer desta vontade. No local das velhas ágoras, ou seja, os campi universitários de hoje da indústria da paralisia crônica do trabalho escolar, em que marcamos um dos índices notórios da transigência com o pseudoaprendizado, o indulto de faltas e a semi-informação acadêmica continuada.


A greve da USP tem esse valor antológico de fugir às renúncias de cargo, ao primeiro racha sério das pseudomaiorias grevistas pela radicalidade de funcionários muito mais do que docentes e acadêmicos. Não é sem razão que justamente nos campi as paralisias tendem a eternizar-se pelo conformismo do grosso da comunidade em não pagar pelo dissenso ostensivo, e expor-se ao denuncismo do "fura-greve".


Aristóteles, não sem razão, temia o regime democrático, por este germe no seu seio, a anarquia pela radicalidade de alguns. A universidade é hoje o laboratório da democracia profunda, e testes como o da USP podem isolar o bacilo para que respire, de vez, a sofrida e verdadeira das maiorias.


Jornal do Commercio (RJ), 26/6/2009