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Democracia e consensos perigosos

 

Chega à fadiga, de vez, a investigação sobre os cartões de crédito corporativos, na ladainha de suspeitas e denúncias desfocadas, há meses, da oposição. As manchetes continuam nas diatribes sonâmbulas, e nas lentes de um probatório, por sua vez, já resultante de um fato novo no amadurecimento democrático do país. Ou seja, da entrada para valer da Polícia Federal no dossiê dos notáveis, derrubadas as fortalezas de impunidade do Congresso. Mas é dentro de que prospectiva, que o Brasil da mudança – e da sua consciência – vai à busca e à defesa da nova prosperidade e, sobretudo, da sua garantia democrática?


Os próximos meses deparam esse fenômeno inédito da crescente popularidade presidencial à margem do sucesso do partido, ou de sua mediação por lideranças emergentes do petismo. Já se teria comprometido o presidente a não ir aos palanques das eleições municipais, tal a força do seu símbolo e da sanção torrencial que daria aos candidatos de sua preferência. E que composição partidária sairia desses somatórios novos, tornando irreconhecíveis as velhas oposições e o delineio da competição presidencial subseqüente?


Não se trata apenas de atentar ao quanto o PMDB comanda o situacionismo emergente, e a importância de que o petismo possa reforçar, no chão municipal, novas lideranças do Brasil da mudança. A futura contenda não pode apostar no clássico desgaste de um governo já em segundo mandato, pela usura inevitável de suas promessas originais.


Não há precedente na história política do país deste adesismo crescente, e de que modo hoje o consenso situacionista vai enfrentar conflitos emergentes, pelo sucesso da sua política e a nova diversificação de interesses e que dará origem pelo seu próprio êxito. Aí está, com o sacrifício de Marina, o conflito ecológico e a nova força dos lobbies ruralistas, a forçar os arrozais nas reservas indígenas e a confrontação com Blairo Maggi pelo plantio extensivo da soja, doa a quem doer, nos arraiais do velho preservacionismo.


A nova intolerância das classes empresariais a partir da Fiesp, com a retomada diminuta do subsídio à saúde mostra a nova radicalidade antitributária frente ao Estado serviço, de acesso generalizado à saúde e à educação, que vem de par com o avanço do "povo de Lula". E a trincheira de sua força embaralha-se, entre a busca da afirmação partidária e das ONGs já claramente aparelhadas diante dos movimentos sindicais, de onde brotou o petismo tradicional.


Neste quadro a onda da popularidade presidencial vai ao próprio repto da democracia, e ao veneno dos consensos. Aí está a tentação do terceiro mandato, como a briga política para além do pobre jejum dos cartões corporativos e das certidões policiais. É a luta, pelo país profundo, de desmontar os oportunismos situacionistas, após o sucesso lulista nas próximas eleições municipais. Democracia, sobretudo, e de vez, é a manutenção das regras do jogo. E a sua fiança nos próximos meses – e a melhor – é a do próprio presidente, que sabe que o Brasil de Lula não é o país de Chávez.


Jornal do Brasil (RJ) 28/5/2008