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Da greve dos bombeiros ao partido militar

 

As manifestações de rua dos bombeiros, por quase um mês a fio, marca, sem dúvida, uma nova etapa das pressões grevistas na presente democracia brasileira. Não é mais um comício; são horas a fio dos manifestantes junto ao Palácio Tiradentes, na cantilena incessante de bordões e invectivas, cantos e cantochões, numa continuidade de vigília que passou, também, a atravessar os fins de semana. Acampamentos de rua, barracas contra as portas da Assembleia Legislativa, em todo o contrário de uma debandada pelo cansaço. Estamos diante de uma maratona, somando às lideranças um verdadeiro corpo de tropa e suas próprias famílias. O novo do movimento é a sua fusão com a crença evangélica. Seu principal comandante manifesta-se, exatamente, na linha ostensiva da crença, e começa a sua conclamação, sempre, em nome de Deus, da mobilização da fé, cercado, inclusive, pela certeza profética de seu êxito.

Os bombeiros, como "povo de Deus", são conclamados à missão e aos prêmios do bom combate, para não falar da remuneração, já, de seu êxito certo aos olhos divinos. É, talvez, dentro deste ímpeto, que o plantão cívico continuado passou à marcha, e esta ao desabrido da invasão do quartel, e do repto final, do confronto físico e da depredação do prédio público. Mais ainda, impele o bom senso evangélico a consciência do sofrimento que imporia a campanha, e da militância atrás das grades dos 429 presos, pela notória infringência da ordem pública. E, por força, a visibilidade do choque não escaparia ao contágio e à aliança crescente com outras áreas dos serviços de segurança do Estado, na tentativa de uma coligação de polícias militares, civis e agentes carcerários.
 
 
Mobilizações. O confronto chega, aí, à escalada inédita onde as reivindicações se antecipam e se superpõem, e a intolerabilidade do confronto, instintivamente, se quer resolver por uma anistia, que envolve, inclusive, uma emenda da Carta do Estado. O inédito pode chegar até o repto do estado de direito entre nós. No chegar à desnaturação das instituições, no ímpeto, ganho pelas mobilizações desse gênero, supera-se o espaço social da reivindicação cidadã. Nem foi outra a ameaça da criação, por bombeiros e policiais, de um Partido Militar. A concessão de habeas corpus aos presos ganhou quase o consenso da necessidade social. Vai ficar como uma "trégua" em sustenido, diante do potencial da volta às ruas, em que o movimento pode engrossar, entre nós, a democracia dos indignados, da Praça do Sol, em Madrid, ou da Catalunha, em Barcelona.

Jornal do Commercio (RJ), 17/6/2011