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Da bolsa ao financiamento do ensino superior

 

Não há unanimidade como a da educação no se elegerem as prioridades de um programa de mudança, como pede qualquer ideário de desenvolvimento. Da mesma forma, a sua abordagem, em termos de políticas públicas, passou por sucessivas e distintas tônicas. Da luta contra o analfabetismo à expansão compulsória do ensino secundário e ao esforço do investimento público na sua aceleração. A meta do terceiro grau chega tarde, mas, na ênfase que assume no governo Lula, ao postular o acesso a todos os níveis de educação dos estratos desmunidos do país.


Deparamos hoje com cerca de 5,2 milhões de estudantes potencialmente capazes de chegar aos bancos universitários, mas 1,2 milhão desses ficam fora do campus. Tanto por não encontrarem espaço no ensino público, como por não terem condições de pagamento na área privada. Como, neste momento, assegurar-se essa expansão, num misto de apelo a capacidades ociosas que tem o país no terceiro grau e às dificuldades de expansão do setor público, quer pelas suas limitações orçamentárias, quer pela burocratização do magistério?


Diante de algumas Cassandras do sistema, perguntar-se-ia, por exemplo, se a expansão do ensino noturno público reduziria sensivelmente a crescente fome universitária. As estratégias realistas voltam-se para a capacidade ociosa que, neste momento, apresenta o sistema particular de ensino superior. Chega a quase 50% o excesso das vagas oferecidas, num empreendimento que hoje responde por quase 80% da expansão superior do país.


Uma primeira política pública voltada para o ingresso universitário asseguraria, para além dos sucessos atuais do Fies, a outorga de bolsas de estudos às universidades privadas, em transferência efetiva de recursos, para além dos níveis de gratuidade já logrados. Ou melhor, resultante de toda contrapartida de redução ou anistia dos débitos fiscais e previdenciários dessas escolas. O desempenho do programa no último triênio sofre do retardo dessas negociações, combinado com o vezo clientelístico, que muitas vezes ainda assedia um sistema de auxílio apoiado na outorga estrita de vantagem, não obstante o enorme esforço de credenciamento pelo Ministério da Educação à titularidade desse benefício. Na verdade, a maturação dessa política de acesso à universidade vai envolver uma mudança de cultura, ao trocar-se a expectativa da benesse pura pelo financiamento a prazo do acesso pelo beneficiário.


Multiplicam-se hoje os estudos para permitir o adiantamento, ao estudante, de cerca de metade dos seus custos de ensino, a serem pagos tão-só um ano após a sua formatura, e na previsão já da entrada do beneficiário no mercado de trabalho. Um prazo longo, de pelos menos um qüinqüênio para essa paga, assentada sobre a previsão do salário no mercado de trabalho, se faria dentro dos juros compatíveis a esse investimento social, em operação a que hoje está voltada a atenção do Banco Mundial.


A classe C continua fora do mercado do ensino superior, tanto não excede a quatro vezes o salário mínimo de renda familiar e em que mantém a educação como a sexta opção de seus gastos. Mas tal não lhe impediria, nesse montante, de atender a metade das mensalidades médias dos cursos em ciências humanas e sociais, numa primeira etapa da chegada ao terceiro grau. Ou aos cursos seqüenciais e tecnológicos, permitindo, desde logo, a capacitação do conhecimento para um know-how imediato do mercado, no que, hoje, o Ministério já reconhece e distingue o elenco nítido e curricularmente definido de oportunidades.


Mais do que a discussão da reforma universitária avançada no primeiro mandato, e hoje emperrada no Congresso, o vigor da mudança pelo ensino, no governo Lula, já encontrou suas prioridades reais e assume o ônus de começar a pagar a sua conta. A nova geração, que esmurra as portas da universidade, quer estudar hoje para pagar depois de amanhã, premida pela maturidade da consciência, tão lúcida quanto intransigente, no superar a mitologia da bolsa, em benefício do co-esforço efetivo pela mudança.


Jornal do Commercio (RJ) 23/2/2007