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Cresce a nossa democracia na praça

 

Uma análise dos protestos em todo o mundo no ano findo implica, ao mesmo tempo, a discussão do seu específico perfil no Brasil, e até onde, na absoluta defesa do direito do povo nas ruas, reforçou nossa democracia. De saída, há que atentar ao sentido histórico desse mesmo protesto, independentemente da precisão das suas demandas. E é, exatamente, o bom desempenho político o que mais sofre desse paradoxo. As exigências prioritárias de mudança clamam sempre por mais, na conquista de bem-estar.

E o sucesso de um Executivo só faz alimentar uma insatisfação essencial, provocada sempre por um ir adiante e de imediato. O Executivo considera, precisamente, esse clamor como o preço do seu êxito, e a renúncia a toda a mega-acomodação com os primeiros resultados do sistema. A descida às ruas desemboca em demandas necessariamente difusas nessa busca de um bem estar. Tal contestação seria tanto mais autêntica quanto vaga, numa plataforma destituída de qualquer prioridade intrínseca.

Nunca, nesses clamores, por exemplo, surgiu a reforma agrária. E se perguntaria se, nessa fuga à frente, no já conseguido, chegaria tal inconformismo de raiz, senão, à irrupção do anarquismo, como exercício da radicalidade social intransitiva, assegurado pela maturidade democrática. No quadro de ações originais do governo frente ao povo na praça, desdobrou-se toda a riqueza do aparelho institucional guardado na Carta, tanto o Planalto, por exemplo, propôs-se aos plebiscitos, e à consulta popular.

Entendeu-se, também, e de logo, que essa vontade pública não avançaria sobre o enunciado geral por mais educação, saúde, e em clamores simétricos pela centralização ou descentralização das máquinas de decisão pública. O que irrompeu, sim, foi esse contraste entre o desejo de mudança, expresso nas praças, e o corporativismo constitutivo do poder legiferante.

Não vingaram as propostas do Planalto de adoção de recall dos mandatos frente às investiduras originais. Vingou, sim, e também dentro do apoio do governo, o princípio da iniciativa popular, que ensejou a lei da “ficha limpa” como barreira efetiva à corrupção parlamentar.

No trato da voz das ruas, não foi o Brasil, em nenhum momento, ao confronto com o sistema, como em vários países, levados, no ano passado, à dita “desordem das praças”. Não represou, nem conteve, mas abriu os caminhos da democracia direta contra os entorses político-partidários ao nosso crescente estado de “bem-estar”.

Jornal do Commercio - RJ, 10/01/2014