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Corrupção e tolerâncias majoritárias

 

Vai, adiante ou não, a faxina de Dilma, e até onde? O problema - diz tão bem o senador Jarbas Vasconcellos -não é de voluntarismo, nem de um desassombro inflexível no ir-se adiante. Os freios estão no inconsciente coletivo e na sua lentidão tectônica. Dele dependerá o passo adiante de uma consciência social, ou o acomodar-se, de volta, no que é a trama de interesses, e a Cosa Nostra a definir sempre um status quo.
 
As virtudes da dita "ordem social", via de regra, confundem-se com a estabilidade dos regimes de exploração, ou do que, já em pleno avanço da mudança social, se expõe às bactérias antigas da corrupção. Brotaram no regime petista, na prática do mensalão, ao lado das tolerâncias de sempre, que veriam, como mero pecadilho, as caronas
de governantes, nos jatinhos das empresas fornecedoras das obras públicas.
 
A propina incorporada, já sistematicamente, às comissões desses contratos, rola no silêncio azeitado às condições de mercado, nos percentuais acordados entre os competidores. E tanto é, hoje, maior a complexidade destes fornecimentos, tanto a partilha múltipla do bom bocado se incorpora, consentida, à dinâmica da dita prosperidade nacional.

Jamais a derrubada da corrupção será a da avalanche de um tsunami, nem os processos históricos registram "viradas de página" no que é tão antigo quanto o poder, a negociação das suas vantagens. Ampliar-se-ia paradoxalmente quando a democracia força as negociações parlamentares de maiorias, ainda à míngua do verdadeiro espírito público, deixado na história como o clamor perene pelo "governo dos justos".

Neste mesmo impulso, as frentes imaculadas anticorrupção - portanto, necessariamente, suprapartidárias -, e ora dos varões do Senado, confrontam as trincheiras de pessimismo que cercam a faxina de Dilma. A primeira das vitórias já se deve ao governo FHC, na eliminação do abuso do clientelismo dos orçamentos, criando, à custa, a barreira dos 70% para pagamentos de despesas salariais. Mas o muro do clientelismo resiste neste açambarca-mento das vantagens privadas dos dinheiros públicos, a forçar o governo petista à intervenção da Polícia Federal nos outros poderes, a ação do Conselho Nacional de Justiça, e o confronto, pelo Congresso, dos requisitórios, provados à exasperação, dos desvios pecuniários de seus membros. Tão só para submergir no pântano das comissões, a demorarem e esvaziarem as denúncias para, enfim, na remissão anônima de toda a impunidade, repetir-se a denegaçao condenatória, morna e repetida, de seus plenários.

As tolerâncias do inconsciente coletivo continuam a garantir as concessões e demoras para que um Estado de Direito se imponha à república da Cosa Nostra. Estamos ainda em lua de mel com a faxina de Dilma. Mas é cada vez menor a chance de o status quo confiar no cinismo do "tudo bem" da nossa desmemória.

Jornal do Commercio (RJ), 12/9/2011