Este fim de ano permitiu que se chegasse ao extremo da corrupção política, no que o escândalo Arruda se soma ao affair Sarney e ao velho mensalão. Deparamos com o sistema e o contrassistema, no que o provedor de dinheiro põe à sua mercê, sem volta, o beneficiário. O pagador filma, desde saída, a quem corrompe, e o torna cúmplice forçado de toda a operação, a qualquer tempo de uma denúncia.
Pouco importa a desfaçatez das tomadas dos pacotes, nas cuecas, nas meias ou nas bolsas.
Ou a naturalidade dos recebimentos em que este montante de paga entrou nos lobbies dos contratos públicos, e não se fale mais nisso. No caso antológico do govemador do Distrito Federal, é o próprio cappo quem reparte as notas, para toda a malha hierárquica dos facilitadores, no maior à-vontade burocrático. Não são atravessadores, a sugerir propinas esquivas, mas agentes em Palácio a dia, hora e pacote de cédulas novas e contadas, de pagamento em espécie, com o timbre dos espaços públicos e a sofreguidão da coleta.
O flagrante, por mais que insuspeitado pelos beneficiários, incorpora-se à rotina da operação, e à vista do seu último responsável. Ou do detentor da prova e, por isso mesmo, dono do jogo, no caso o secretário Durval Barbosa, por uma derradeira imprevidência do chefe. Crença na fidelidade do comparsa, ou delonga no seu abate frontal, inevitável?
Os sistemas já estão aí há quase década, instalada verdadeira central de filmagens clandestinas. Quantas negociações entre Durval Barbosa e José Eduardo Dutra, ou quantas concessões a mais, antes de se chegar ao point of no return da delação premiada? Vamos dever ao DEM-DF, nesta mecânica, a inovação eletrônica e a memória sem perdão.
Como fica no entrementes a opinião pública na delonga pelo desfecho do escândalo? A prática dos continuísmos já sobreviveu ao primeiro impacto no sustento democrático do direito de defesa e, ao mesmo tempo, na sondagem do vulto da rede e da munição de represália que pode ter o governador. Só se evidencia, por aí mesmo, a vinculação medular do ganho paralelo com o funcionamento comezinho da máquina do Estado, no quadro dos situacionismos nacionais a que se contrapõe, entre todos os pesares do mensalão, o advento de Lula para além do partido.
As últimas decisões do Supremo Tribunal mostram, de vez, a generalização da prática.
na condenação do governador tucano de Minas Gerais em 68. Só que ainda à falta do probatório contundente, como toma arrasador moderníssimo sistema, que ora chegou à polícia. Chegamos à equanimidade democrática da corrupção, em que os mensalistas do PT entraram como novos ricos diante do contumaz sabido e consabido da venalidade dos velhos ninhos do poder. E quantos filmes ainda em poder do próprio ou de outros Durvais Barbosas na mira da campanha de 2010 e das ditas reservas morais da oposição e do antilulismo?
Jornal do Brasil, 9/12/2009