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Campus e transformação social

 

O ministro Tarso Genro tem, de saída, marcado o seu tônus realista na abordagem das tarefas que elegeu na pasta da Educação. A palavra-chave é foco, a privilegiar as iniciativas que respondem aos temas-chave para julgamento de um governo de mudança. Mais do que isso, o timbre da objetividade do titular é de procurar uma estratégia que, pelos efeitos imediatos, multiplique o horizonte ulterior.


Não sem razão colocou no seu centro agora o problema da reforma universitária. Nele se entrechocam o idealismo renitente e a fome do agora; a combinação paradoxal entre o indicador talvez mais largo da mudança e o que de imediato se requer - até em prazos mínimos - para dar vigência à tarefa. Retomamos, de década em década, o grande propósito. Não existirá, talvez, política pública onde o balanço do que se conquista expõe-se à tentação de um recomeço, e do querer fazê-lo cada vez melhor, num coeficiente utópico que se passe como um anel, de mão a mão, entre as gerações.


O que importa ao ministro é ligar a reforma, em nervura crítica, ao projeto de transformação social que levou o PT ao poder. Mantinhamo-nos presos, sob palavra, à discussão da universidade pública brasileira, e de uma reforma que ainda partisse deste pólo, para vencer a inércia do que está aí. Parte-se agora, com outros olhos de ver as prioridades e o que fazer, de imediato.


A primeira premissa é de que maciçamente, hoje, o Brasil da universidade de Lula tem 80% de seu ensino atendidos pela iniciativa privada. É padrão que, no mundo todo, só tem rival na Coréia e nas Filipinas. E não existem precedentes na história da modernização educacional, de país do nosso porte, e do peso das nossas acelerações ou erros, no comandar os horizontes de uma mocidade que entre os 18 e os 24 anos implica já quase 30 milhões de brasileiros, na busca do ensino, de conhecimento, profissão, ou expectativa de mobilidade social fora já do status quo. No Brasil, menos de 9% de uma mesma geração chegam à universidade, quando é de 80% esta performance nos Estados Unidos, ou em volta de 60% na França, na Inglaterra ou na Itália.


O Plano Nacional de Educação previu que pudéssemos chegar a 2010 com 12 milhões de moços no quadro universitário, quando só dispomos, agora, de cerca de 3 milhões dentro do campus. Trata-se de quadruplicar este efetivo no prazo de sete anos para entrarmos no mínimo do admissível, como a bem dita e repetida alavanca da mudança qualitativa. Das 165 universidades brasileiras, 20% são públicas. E é irrealista admitir-se que será por qualquer superinvestimento na área estatal que, dentro desses percentuais pobres, se logre o salto como pretendido e reclamado.


Nem há como, nos próximos meses, cogitar-se de qualquer alteração dramática dessas potencialidades no âmbito da ação de Estado, de melhorias dramáticas de orçamento, ou de um carreio de recursos para o campus público. A novidade, talvez, do enfoque realista do ministro Tarso é falar aos gentios. Ou seja, conclamar a universidade privada para a tarefa, estabelecendo os seus padrões de possível competência e, de imediato, pondo à disposição da fome do ensino superior o que tenham de capacidade instalada, ou vagas ociosas.


Esquecemo-nos de que hoje o âmbito da educação no mercado nacional chega nos seus 12 bilhões anuais envolvidos, a responder por 10% da atividade negocial do País. Trata-se de macroatividade que encontrou seus dinamismos próprios, tem condição de, frente a uma política pública e, ao mesmo tempo, confrontar à tarefa da educação, o teor ainda muitas vezes mal definido da sua atividade negocial. Neles se incluem, ao lado de empreendimentos intrinsecamente comunitários e religiosos, a de uma zona necessitada do amadurecimento do seu perfil institucional, as ditas organizações filantrópicas, bem como das atividades privadas que não se pautem ostensivamente pelo lucro, ao lado das confessada e flagrantemente empresariais.


Não se trata mais, por outro lado, de atender no ensino superior às chamadas classes A ou B, mas já desses grupos C, D e E, de rendimentos familiares de sete a três salários mínimos, mas decididos a alocar 25% do que consomem ao sacrifício de todo o grupo em casa para enviar um filho à universidade. Os Ministérios da Educação na entrada do século herdam agora, possivelmente, o maior efeito a prazo da educação pública, que é o sucesso senão explosão do ensino médio, quebrando com o elitismo brasileiro. E permitindo a chegada à capacitação universitária de 30% da mesma coorte de moços de 18 anos, sôfregos do novo passo. Mesmo com todos os esforços de superinvestimentos, a universidade pública não pode deles dar conta.


Quando olha para o outro caminho criativamente, o ministro em projeto ainda em fase final de elaboração tira partido de disponibilidades embutidas ou estímulos incontestes no atual aparelho de educação no País. Propõe que a mecânica da renúncia fiscal oferecida às universidades privadas se troque contra um percentual de ensino gratuito aos menos favorecidos. Prefere, no momento, esta fórmula extrair do aluno rico, no campus público, um estipêndio ao pobre, para lhe dar, depois de formado, a mesma chance.


Um terceiro caminho, ainda a demorar, pode residir nas fórmulas de microcrédito aos carentes, avalizado pela Caixa Econômica. Na primeira opção, o governo avança logo, e trabalha com disponibilidades reais de vagas e vantagem financeira interessante a parcela razoável do ensino particular. Não pode senão começar por aí - para lograr - pelo menos 400 mil novos estudantes universitários no Governo Lula. O salto possível aí está - e este futuro é agora.


 


Jornal do Commercio (RJ) 27/2/2004