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A caminho do pastelão cívico

 

Acontinuarmos a romaria do anticlímax do mensalão, a Polícia Federal pede mais tempo para chegar a conclusões sobre o toma-lá-dá-cá dos parlamentares denunciados. As CPIs, por seu lado, querem prazos indeterminados, também, para completar as suas investigações. E o ex-deputado Roberto Jefferson insiste na retirada da denúncia contra José Dirceu, estopim da crise. Fique o dito pelo não-dito.


Nesse vaivém dos indiciados, só cresce ao mesmo tempo a convicção nacional da vastidão da empreitada tecida em torno da malha de Marcos Valério. Remanche-se o dossiê, e só avultarão as suspeitas de que a corrupção modernizada leva os seus lobbies à temeridade da escala de negócios como o do banqueiro Daniel Dantas, na vinculação de possíveis vantagens do poder ao reforço de um promissor mercado especulativo global.


Quando volta o controlador do Opportunity às CPIs ou comprovam estas, à Nação, as informações pedidas ao depoente, que falou ou não falou o que quis - e tudo bem -, diante do silêncio muitas vezes quase reverente dos parlamentares? Mas, desde já, e frente à indescritível escalada da corrupção benigna do caixa dois, já fechou o País a convicção da responsabilidade dos denunciados. É a certeza do próprio imaginário que prendeu Jefferson na sua trampa - inclusive por ter rompido as regras de jogo de um abuso nas campanhas eleitorais quase consuetudinário em nossa cultura pública.


Veio mais uma crise crônica a furo pela engrenagem da maquinação, no que os poderes de chantagem e extorsão do ex-deputado pressionariam o partido, no cumprimento de compromissos da Realpolitik do presidencialismo de coalizão. Mas toda ela ainda mantida no plano dos "caixas 2" e dos ressarcimentos de despesa de campanha aberta, sempre, à indeterminação do rumo final dos dinheiros, trazidos todos ao bojo laxo das direções partidárias.


Prosperou toda a riquíssima elucubração do ex-deputado e criminalista, fértil na figuração dos complôs, da temeridade da afirmação sem contradita e da criação definitiva das suspeitas. Mormente quando todo o desaguisado da crise pode ter surgido de uma extorsão a mais, ou de vantagem esperta, no quadro dos apoios concertados e de suas pagas. Até onde o atraso no pagamento dos 20 milhões de reais, expressamente admitido já pelo PT para a formação das bases aliadas, está na origem dos disparos do ainda presidente efetivo do PTB? A mais agravar-lhe a temeridade, Jefferson não nos deu conta para onde foram os 4 milhões de reais efetivamente recebidos, abrigados não se sabe em que estante ou gaveta de sua casa.


Pressão global do deputado avançando no engenho imaginado de mais um passo da corrupção sistêmica? E até onde, na própria lógica do valerioduto, esse seria necessariamente um novo lance incontornável de prática de uma rede de dinheiros e condicionamentos, em que, segundo o relator da Comissão dos Correios, tem financiadores e últimos beneficiários da operação de Marcos Valério. É dramático que a crise que ora paralisou o País seja, acima de tudo, a expressão do último resultado da subcultura política brasileira, crédula, sentimental como indignável, seduzida pela maquinação por sobre os fatos, as evidências e a preservação da imagem na ação política do País, sobretudo quando comprometida com a dificílima vontade da mudança, qual a do PT.


Todo petrecho do imaginário já, de toda forma, e a expectativa popular só querem que o Congresso cumpra o enredo já definido. O mensalão existe, sim, pelo fascínio da operação formulada, no clique entre o saque no banco e a luz do voto esperado no plenário da Câmara. A polícia é cauta ainda no último veredicto, que responderia pela fidelidade horária dos partidos aliados, de notórias evidências nesse comportamento condicionado. Diga-o o trato da renúncia que levou as lideranças do PL a largarem o mandato, como Waldemar Costa Neto ou o Bispo Rodrigues e o próprio Jefferson, se não fosse preso pelo alçapão dos prazos que invalidaram a manobra. "Caixa 2" só, ou mensalão a mais, a modorra do Congresso chegou ao pastelão cívico. Não abrimos os olhos-de-ver para o quem-é-quem, tão rotundamente diante do País, por mais que se atrasem as agendas e cresça a perplexidade obsequiosa do Congresso.




Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 07/10/2005

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), 07/10/2005