A reação dos parlamentares às exigências do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino para o pagamento das emendas a que têm direito mostra que o interesse deles é particular, e não coletivo, como deveriam ser seus projetos. O ministro nada mais fez do que detalhar o que já era exigido quando mandou parar de pagar as emendas: a transparência do envio dos recursos do Tesouro Nacional a que cada parlamentar tem direito.
Incomodaram-se os senhores deputados e senadores com critérios técnicos exigidos pelo ministro do Supremo, como identificação do deputado que endereçou a emenda e de quem a recebeu, prefeitura ou organização não governamental. Também uma boa inovação foi exigir que as emendas para Saúde sejam aprovadas pelo ministério seguindo “orientações e critérios técnicos” estabelecidos por ele e por comissões de gestores estaduais e municipais.
Outros ministérios deveriam ter entrado nessa exigência, para que as verbas federais fossem investidas em programas coerentes com as linhas de ação do governo eleito. A partir do momento em que Executivo e Legislativo chegaram a um acordo a respeito das emendas parlamentares, não restava outra saída a Dino senão as liberar. Ele havia suspendido o pagamento e esperava uma definição dos dois outros Poderes. Depois que o governo aceitou as verbas imensas — são R$ 50 bilhões — e fechou acordo com o Congresso, ele criaria uma crise enorme caso não aceitasse.
A exigência de transparência, ponto central da decisão de Flávio Dino quando suspendeu as emendas, precisa ser acompanhada para ver como será cumprida. Tenho a impressão de que, em vários casos, poderá haver impugnação, e o STF terá de intervir. Mas, de qualquer maneira, já é uma vitória o Congresso assumir a obrigação de ser transparente e de explicar a origem e a destinação das verbas liberadas. Depois desse susto, creio, haverá contenção dos parlamentares. Será preciso acompanhar a execução; certamente será mais fiscalizada, e haverá muitas denúncias. Não é o ideal, mas é o possível.
Pela decisão, as verbas das emendas de comissão e dos restos a pagar do orçamento secreto só poderão ser executadas caso o parlamentar solicitante seja identificado nominalmente no Portal da Transparência. As “emendas Pix”, liberadas sem que se soubesse quem mandou e onde foram gastas as verbas, terão de obedecer a um plano de trabalho, estabelecidos objeto e prazos para a obra, que terá de ser aprovada pelo governo.
Dino tenta, assim, organizar a distribuição de verbas públicas para que não sejam pulverizadas em projetos que não combinam com o plano nacional que o governo eleito tenha escolhido. Com essas medidas, o equilíbrio entre Executivo e Legislativo será alcançado, e o parlamentarismo à brasileira imposto pelas circunstâncias políticas será minimizado.
Não adianta nada ao país, num momento em que é preciso equilibrar as contas públicas, distribuir uma verba gigantesca para que os parlamentares gastem à vontade, sem que tenham de prestar contas em muitas ocasiões. Os parlamentares enxergam nessas exigências de Dino uma combinação com o Palácio do Planalto para equilibrar o jogo político, que, desde que Bolsonaro decidiu abrir mão de governar para tramar seu golpe de Estado, pendia para o Legislativo. As circunstâncias políticas neste momento beneficiam o governo. O plenário virtual já formou maioria para a aprovação das exigências de Flávio Dino.
Os parlamentares terão de partir para a chantagem explícita se quiserem resistir. O pouco tempo para aprovação do pacote do governo neste ano pode jogar a favor dos políticos, mas contra o país. Também a falta de convicção do governo Lula em relação ao corte de gastos ajuda a complicar a situação.