O Papa Bento XVI marcou junto às Nações Unidas um avanço irreversível na consciência dos Direitos Humanos para o nosso tempo. Declarou que os problemas e os desafios à segurança internacional não poderiam ser objeto de discussão apenas pelos militares. E especialmente no julgamento de indigitados terroristas. Ou melhor, do seu não julgamento, tanto já lá vão para três anos a demora nas prisões de Guantánamo de mais de quatrocentos afegãos e iraquianos, detidos quando da invasão americana, na virada do século, em Kabul.
Continuam isolados nas suas prisões, expostos a castigos corporais na espera indefinida de atendimento de um direito básico da Carta das Nações Unidas. Ou seja, o de ser sentenciado de acordo com o contraditório, sabendo-se explicitamente das denúncias e garantindo-se amplo poder de defesa.
Não há excludência indefinida desses processos por motivo de segurança nacional, criando-se objetivamente um cativeiro indefinido para tais prisioneiros, por sua vez excluídos das convenções de Genebra sobre as detenções de inimigos em estado de guerra. A situação perdura num limbo, vacilante, ainda, a Corte Suprema, em assegurar esse desfecho para o mundo árabe. Excetuam-se tão só um americano e dois australianos denunciados como terroristas.
O apelo do Papa é importante para mostrar no mundo islâmico a contrapartida de violência que assume a luta contra o terrorismo: a do escândalo deste completo desrespeito à argüição de sua inocência pelos acusados, à espera da palavra dos tribunais militares.
O aprofundamento desse debate agora nas Nações Unidas vai mais além ainda ao que seja a imprevisibilidade desses direitos frente às novas perplexidades que a situação do terrorismo traz ao convívio da humanidade, hoje, há anos luz das esperanças de paz de há uma década. Começa-se a perguntar, independentemente das violências já ocorridas nas prisões de terroristas, do direito ostensivo à prática de tortura nestes casos na busca da informação sobre detentos iminentes. Qual o limite da integridade física frente ao bem comum, e à massa de vítimas que pode envolver uma agressão da Al-Qaeda, hoje, ou de seus grupos congêneres? E de outra parte, ainda, qual o direito à liberdade de expressão diante de seu emprego ostensivo para denegrir a imagem islâmica, chegando à blasfêmia, e o atentado à religião?
Na garantia do direito de defesa aos acusados do terrorismo o Pontífice, inclusive, ecoa a mesma pergunta endereçada pelo Presidente Lula à última reunião da Aliança das Civilizações, no Rio de Janeiro em dezembro passado. O que sobretudo percute, nas palavras corajosas de Bento XVI, é a compreensão de que o enlace entre os povos, pedido pela verdadeira coexistência de religiões começa por uma plataforma comum sobre direitos humanos. Não é produto, como alegam os radicais islâmicos, do colonialismo ocidental. Mas essas exigências elementares, em que o olhar face a face da condição humana, é o começo do abate da cultura do medo, e da negação do outro, num verdadeiro altericídio em que entramos, na era do homem-bomba e sua escalada sem retorno.
Jornal do Commercio (RJ) 25/4/2008