Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Amazônia, o futuro depois do paraíso

Amazônia, o futuro depois do paraíso

 

Vimos, todos, a fala do líder dos arrozeiros na Raposa Serra do Sol, Paulo Quartieri, saído da cadeia por hábeas corpus instantâneo, e passeando, de celular, nos salões do Congresso. Daí partiu para o avião e a passeata triunfal em Boavista. Carreata de mais de cem autos, bandeiras e hino nacional, e os beijos nos índios já trazidos à campanha para permanecer o plantio, de vez, na reserva ameaçada.


Ao mesmo tempo o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, quer semear soja "até os Andes". E o ministro Minc mede as palavras para avançar no reconhecimento da verdade indiscutível. Ou seja, a de que se venceu a era do purismo ecológico e que Lula passou adiante da inflexibilidade de Marina na preservação do "habitat" brasileiro.


Todo o conceito de sustentabilidade volta ao debate no Planalto para tentar ainda um consenso entre a realpolitik da nossa mudança e os dogmas da Amazônia edênica. Frente ao rigor da antiga ministra o presidente se dá conta, também, da força do lobby emergente de que as passeatas de Roraima são uma primeira arremetida nacional. Uma agricultura estritamente extensiva se incorpora à estrutura emergente da economia brasileira, inclusive na tônica da exportação de grãos.


À força desta voz contrapõe-se a movimentação esparsa das Ongs, ou eventualmente da Igreja, em alvos ainda desfocados, e a se apoiar numa argumentação genérica da defesa dos direitos humanos, ou dos princípios ecológicos gerais, contra o poder mediático e congressual dos mais agressivos novos ricos do país. A indiazinha beijada por Quartieri mostra a perplexidade das tribos como primeiros interessados em sustentar a integridade da reserva Raposa Serra do Sol, ou de outras centenas de áreas em que sofrerão dos conflitos emergentes da mudança já.


Encarregado da plotagem do futuro, Mangabeira Unger não poupa o desenho da Amazônia em termos de um novo conceito de produtividade em que o econômico e o social se integram e a ecologia sai do fundamentalismo preservacionista. O physique de role do ministro já favoreceu sobremodo, pela postura de Unger, a dura virada de página, para nova política de aproveitamento territorial do País. Mas até onde é para durar o contentamento das bancadas ruralistas, diante do que será a verdadeira visão da sustentabilidade pedida pelo nosso desenvolvimento? E que nova política tributária, como já entrevista por Minc, com o aplauso do presidente, vai conter a pressa devastadora e o vale-tudo de Blairo Maggi?


Unger, na sua catadura peremptória, não respondeu ao Congresso como pretende resolver o dilema. Não lhe basta dizer que vai "gerar empregos" na Amazônia: a marginalidade é global também, como carência mor do subdesenvolvimento, e não se resolve apenas pela remoção do embargo ambiental. A justiça social sabe das suas prioridades inequívocas, e também a Igreja, numa visão objetiva e urgente dos direitos humanos.


Quando Lula pediu a Minc, sobretudo a criatividade de soluções, sabia dos equívocos, dos idealismos desfocados e das verdadeiras demandas de um futuro, para além da sacralização do éden. Na carta branca que o ministro recebeu do presidente, não se iludirá quanto à cupidez ruralista ou ao revanchismo da nossa inércia paradisíaca, acordada do seu berço esplêndido.


Jornal do Commercio (RJ) 27/6/2008