Num papo há pouco com Armando Pittigliani, diretor artístico da então poderosa gravadora Philips nos anos 1960, ele me contou que Nara Leão, concorrendo no Festival da Canção de 1966 com "A Banda", de Chico Buarque, achava que ia vencer. Até aí, tudo bem. Só não queria gravar a música de jeito nenhum —era chata, repetitiva. Mas, claro, venceu e teve de gravá-la. E o pior: "A Banda" estourou, e Nara teve de passar o resto do ano viajando pelo país e cantando-a três vezes por noite.
O poeta Raimundo Corrêa (1859-1911) não podia sair à rua sem ser abordado por populares que lhe declamavam seu soneto "As Pombas" —"Vai-se a primeira pomba despertada.../ Vai-se outra mais... mais outra... enfim, dezenas...". O mesmo já acontecera com Francisco Octaviano (1825-89), poeta bissexto, mas que, um dia, em 1872, escreveu "Ilusão da Vida" —"Quem passou pela vida em branca nuvem/ E em plácido repouso adormeceu...". Resultado: onde quer que fosse, tinha de ouvir seu poema. Quase se arrependeu de tê-lo escrito.
Rubem Braga escreveu tantas crônicas sobre sabiás que o chamaram de "O sabiá da crônica". Era uma bela homenagem, mas se tornou um suplício para Rubem. Amigos começaram a presenteá-lo com sabiás, um atrás do outro, e sua cobertura na rua Barão da Torre, em Ipanema, famosa pelas plantas, frutas e verduras que ele cultivava, transbordou de gaiolas. Atraídos pelos colegas, os sabiás das vizinhanças começaram a aparecer sem aviso prévio e, de repente, o jardim de Rubem podia ser interditado pelo Ibama por excesso de sabiás.
Não sei o fim dessas histórias, mas não me espantaria se, a partir de certo ponto, o artista, refém do seu maior sucesso, comece a detestar aquilo que o fez famoso.
Ou não. Em 1990, perguntei a Tony Bennett quantas vezes já cantara "I Left My Heart in San Francisco". Ele disse: "Nunca fiz a conta. Mas ponha aí umas 30 vezes por semana desde 1962". Fiz gulp. Perguntei-lhe se já não estava farto da canção. E ele, rindo: "Posso estar farto de respirar?".
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