A base da atuação do presidente Donald Trump no governo dos Estados Unidos é a mesma que regeu o governo de Jair Bolsonaro: desmontar o sistema em vigor, e fundar um outro, supostamente mais vantajoso para seus objetivos. Das palavras às ações, Trump quer eliminar todas as influências que considera malignas sobre a sociedade americana: globalismo, como chamam ironicamente a globalização; política identitária, que nasceu na esquerda americana e se espalhou pelo mundo; e assim por diante.
Bolsonaro dizia que precisava destruir antes de reconstruir, e os alvos eram os mesmos de Trump: universidades, grupos de think-tanks, corporações influentes, como a advocacia e o Judiciário, jornalismo, toda e qualquer atividade que possa contestar suas determinações. No Brasil, Bolsonaro foi atrás também da classe cultural, com as mesmas alegações que Trump usa para cassar o financiamento de universidades: são dominadas pela esquerda, disseminando pensamentos divergentes nocivos à sociedade.
Como nos Estados Unidos a indústria cultural é forte economicamente e não depende do governo, ainda não está sofrendo o que sofreu aqui, com corte de verbas e acusações descabidas contra artistas de uso do dinheiro oficial para aproveitamento próprio. Como não temos capacidade de boicotar economicamente nossos adversários, estamos sendo vítimas, como o resto do mundo, da sanha arrecadadora de Trump, que pretende tapar o déficit americano com taxação generalizada a praticamente todos os países, com exceção da Rússia, uma prova de boa-vontade que custa a ser entendida, gerando até mesmo teorias conspiratórias esquizofrênicas, como a que aponta Trump como um agente russo infiltrado.
É uma maneira exacerbada de mostrar como as medidas adotadas agora farão a economia americana, e em consequência sua população, sofrer. Ou poderia ser um agente chinês infiltrado, de acordo com a capa da The Economist inglesa. Sem dúvida a China poderá se aproveitar dessa guerra tarifária abrindo-se a novos caminhos na própria Ásia, com parceria imprevisível com a Coreia do Sul e o Japão, e aumentar seus investimentos na América do Sul, e suas importações de comodities.
O governo Lula, cuja política externa inclinada para países de esquerda era alvo de críticas por desprezar um parceiro tradicional como os Estados Unidos, acabou se posicionando bem nessa crise, tratando com equilíbrio a reação aos ataques tarifários trumpista. Existe a possibilidade de novas cadeia de exportação surgirem, e alguns manufaturados como a indústria calçadista abrirem novos mercados internacionais.
Ao mesmo tempo, sem ser próximo do governo Trump, o Brasil de Lula foi tão “beneficiado” por uma menor taxação quanto o governo argentino de Milei, que no mínimo exagera na adesão aos Estados Unidos, como fazem os bolsonaristas no Brasil. Os que, da direita brasileira, vibraram com a vitória de Trump, agora estão em dificuldades com os prejuízos que seu ídolo está provocando à direita internacional, e ao país em particular.
O governo Lula, debatendo-se contra a impopularidade, ganhou um fôlego ao colocar-se dignamente em defesa dos interesses nacionais, negociando em vez de atirar pedras insensatas. Bolsonaro colhe descrédito ao defender a política de Trump, e perde apoio a medidas de interesse personalista, como a anistia. Apesar da tendência conservadora, o Congresso tem juízo, e é uma boa notícia saber que o PL não conseguiu as assinaturas necessárias dos líderes para avançar com o projeto de anistia.
Não há nenhuma razão para se pensar em anistia, a não ser o interesse eleitoreiro por parte do Bolsonaro, que mesmo assim não seria de grande utilidade, porque a inelegibilidade dele é do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e continuará valendo. Os líderes do centrão e da direita sabem que não é uma boa ideia comprar uma crise com o Supremo Tribunal Federal (STF) por causa de Bolsonaro – que não foi nem condenado ainda. É uma luta política individual, que não mobiliza a maioria.
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